Ana/*/-/logos

Rodrigo Moon
A Casu
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14 min readAug 11, 2017

analogia | a·na·lo·gi·a
(latim analogia, -ae) | substantivo feminino

1. Relação de semelhança entre objetos diferentes.

2. Investigação da causa das semelhanças.

3. Razão da formação das palavras.

Voltamos à redação depois de um pequeno ~~hiato artístico~~ para colocar as ideias no lugar. Hoje trazemos o tema da analogia, mas ainda além, de algo mais subterrâneo que a máscara da analogia oculta.

Terceira forma da similitude, a analogia. Velho conceito, familiar já à ciência grega e ao pensamento medieval, mas cujo uso se tornou provavelmente diferente. […] Seu poder é imenso, pois as similitudes que executa não são aquelas visíveis, maciças, das próprias coisas; basta serem as semelhanças mais sutis das relações. Assim alijada (mais leve, afastada), pode tramar, a partir de um mesmo ponto, um número indefinido de parentescos. (FOUCAULT, 1992. pg 37)

Por tal, precisamos antes falar sobre semelhanças e similitudes. E um pouco de Foucault. Avisamos logo de início que não falaremos sobre o falado ou sobre o complexo. Muito pelo contrário, tomaremos o simples como objeto de estudo. Contudo, nosso método será de desfazer as dobras que se instauraram por sobre as coisas mais simples, até crescerem em magnitude e se tornarem complexas.

in tenui labor, at tenuis non gloria
(“[há] trabalho nas coisas tênues, mas a glória não é tênue”)

Conhecemos todos nós o que é a semelhança. Claro, sabemos identificar aonde a vemos, mas falta para isto um desdobramento: como se dá a semelhança de algo para com outro? Pois, algo sempre se assemelha a outro. O reconhecimento dela se dá por elementos comuns entre as os seres, ideias, signos. Foucault reconhece 4 níveis de similitude, mas não vamos adentrar neles porque não são nosso foco. Esse elemento comum pode ser encontrado, atribuído nas sutilezas, feito pelas articulações da imaginação, por sequenciação de ligações ou por sobreposição de irradiações destas semelhanças.

Curiosa essa capacidade de extrair por análises minuciosas das coisas suas marcas, para enfim conectar os pontos como numa trama conceitual, na qual identificamos as características das singularidades, e por fim sobrepomos os elementos comuns — ou que por analogias possam se relacionar. Curioso pensar que, durante o século XVI o conhecimento era construído pela semelhança, contudo, vemos hoje que a diferença é que se manifesta ante à semelhança, sendo ela as marcas as quais utilizamos em nosso sistema de signos.

Chamemos Hermenêutica ao conjunto de conhecimentos e de técnicas que permitem fazer falar os signos e descobrir seu sentido; chamemos semiologia ao conjunto de conhecimentos e de técnicas que permitem distinguir onde estão os signos, definir o que os institui como signos, conhecer seus liames e as leis de seu encadeamento: o século XVI superpôs semiologia e hermenêutica na forma da similitude. Buscar o sentido é trazer à luz o que se assemelha. Buscar a lei dos signos é descobrir as coisas que são semelhantes. A gramática dos seres é sua exegese (análise minuciosa). E a linguagem que eles falam não narra outra coisa senão a sintaxe que os liga. (FOUCAULT, 1992. pg 45/46)

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Sempre seguimos (nós) por caminhos pautados em entender o sentido dos enunciados. Concebíamos sempre como discursos a serem analisados e interpretados. E buscávamos isto no limite do retrocesso, a última camada: as palavras. O ótimo de ler este livro é que entendemos que muitas das coisas que fazíamos empiricamente estão em um caminho muito interessante, já percorrido por outros. Enfim. Adiantando certa parte: Foucault ressalva que o conhecimento pautado somente nas semelhanças é raso, por tal, introduz, conjuntamente com Deleuze, o estudo da diferença e o seu conceito como vertente a ser explorada em discussões consideradas recalcadas.

Assim, fica claro o movimento de vai e vem das assimilações e ligações: de um lado da corda puxam as similitudes e os liames, e do outro, as identidades e as diferenças — o que ele batiza como as simpatias e as antipatias (sim e não ao pathos): as repetições da língua, do mesmo, se dão dessa forma, portanto, nas diferençações internas (antipatias) e diferenciações externas (simpatias). Nossos estudos sobre o eu e as diferenças internas se concluíram há algum tempo, portanto nosso foco será para com as externas.

Não há semelhança sem assinalação. O mundo do similar só pode ser um mundo marcado. […] O saber das similitudes funda-se na súmula de suas assinalações e na sua decifração. […] O sistema das assinalações inverte a relação do visível com o invisível. A semelhança era a forma invisível daquilo que, do fundo do mundo, tornava as coisas visíveis; mas para que essa forma, por sua vez, venha até a luz, é necessária uma figura visível que a tire de sua profunda invisibilidade. (FOUCAULT, 1992. pg 42)

Atentamo-nos à proposição “A semelhança era a forma invisível daquilo que, do fundo do mundo, tornava as coisas visíveis”: a semelhança é a força que traz do subterrâneo do plano dos signos os conceitos e ideias novas, os novos signos, sempre numa relação de semelhança do mesmo com o outro. Dessa forma entendemos que a linguagem trata em sua cerne da relação do ser com o outro, de nosso ambiente interno para com o externo, de nossa imaginação com a imaginação de outrem. Pois bem, este processo se passa em nível virtual, de tal ordem envolvendo somente as ideias, e não as sensações. Mas pode-se argumentar sobre o mundo natural, e nosso eterno retorno a ele pelas palavras; mas não se engane, o retorno é da representação para com ela mesma: a auto-referencialidade da palavra representada com a representação do objeto se dão nesse liame dos acontecimentos. As trocas de discursos que se dão diariamente passam por um processo complexo de articulações no plano imaginário, no quadro dos signos, nem sempre tendo vínculo com o natural, como pudemos explorar em Baudrillard e seus simulacros — inclusive raramente nos levamos ao natural.

Inaugurando o plano ideal, podemos colocar certos posicionamentos a respeito de uma distinção essencial que a ideia da representação, oposta a tradução, traz; esta, se dá pela fidelidade: uma tradução possui uma correspondência de lado a lado, de original e cópia. Já aquela carrega o estigma da assinalação, equivalência falha, espaço caótico que se configura na fenda de uma linguagem à outra. Assim sendo, o discurso que todos carregam da boca para fora não passa de tentativa frustrada de tradução: representação limitada de articulações vivas — nossos pensamentos. Esta fenda que não deixa de existir é fundamental para entender como a linguagem das palavras se limita em relação ao devir das ideias, pois; a tradução pensamento-palavra já apresenta problemas pois há de haver pensamentos singulares que não encontram espaço no imaginário coletivo; ao mesmo tempo a interpretação palavra-pensamento é múltipla, logo, imprecisa.

Se Descartes recusa a semelhança, não é excluindo do pensamento racional o ato de comparação, nem buscando limitá-lo, mas ao contrário, universalizando-o e dando-lhe assim sua mais pura forma. Com efeito, é pela comparação que encontramos ‘a figura, a extensão, o movimento e outros semelhantes‘ — isto é, as naturezas simples — em todos os sujeitos onde elas podem estar presentes. E, por outro lado, numa dedução do tipo ‘todo A é B, todo B é C, logo todo A é C’, é claro que o espírito ‘compara entre si o termo procurado e o termo dado, a saber, A e C, através da relação segundo a qual um e outro são B’. Por consequência, se se puser de parte a intuição de uma coisa isolada, pode-se dizer que todo conhecimento ‘se obtém pela comparação de duas ou várias coisas entre si’. Ora, não há conhecimento verdadeiro senão pela intuição, isto é, por um ato singular de inteligência pura e atenta, e pela dedução que liga entre si as evidencias.(FOUCAULT, 1992. pg 67)

Atentemo-nos ao fato de que o conhecimento verdadeiro se forma pela indução de articulações, e não por métodos objetivos de dedução — ao qual atua sobre as ideias e nelas mesmas. A indução se define pela coleta de micro experiências, acontecimentos singulares e da proposição de uma lei geral que assemelhe todos os fenômenos, que partam das experiências sensíveis. Ora, pois, esta é a única forma de gerar conhecimento verdadeiro — talvez primeiro? — pois afere-se com base nas experiências naturais, simples, e não da interpolação de signos já elaborados. Friso neste dado pois ele constitui a base de como pode se pensar a criação do conhecimento em sua gênese: da elaboração a partir dos fenômenos naturais — os signos primeiros.

O que Foucault se propõe é tentar criar imagens, de forma a abrir por completo o discurso do conceito. Pois bem, a similitude pode ser pensada como um plano. E sobre este plano se dispõem os signos, de acordo com sua ordem e gênero, organizados de forma que seus seus lados sejam semelhantes. E, por fim, pairando sobre estes, agem os diferentes níveis da similitude. Mas para não deixar ao vento a proposta, somos nós, seres, que operamo-las. Agimos pelos liames, operando caos e diferenças sob a máscara de similitudes. Há de se entender que o plano das similitudes é caos puro, pois está sempre a mudar; em suas repetições internas, este mar de signos se altera sobremaneira a cada interpolação de ideias. Pena que Foucault não pôde viver para ver isso, mas olha isso daqui:

Mas, de toda maneira, o sentido das palavras só pertence à representação de cada um e, conquanto seja aceite por todos, não tem outra existência senão no pensamento dos indivíduos tomados um a um. (FOUCAULT, 1992. pg 97)

E todavia, para o conhecimento, a similitude é uma indispensável moldura. Pois uma igualdade ou uma relação de ordem não pode ser estabelecida entre duas coisas, senão quando sua semelhança tenha sido ao menos a ocasião de compará-las: Hume colocava a relação de identidade entre aquelas, ‘filosóficas’, que supõem a reflexão; já a semelhança pertencia, para ele, às relações naturais, àquelas que constrangem nosso espirito segundo uma ‘força calma’ mas inevitável. […] Na orla exterior do saber, a similitude é essa forma somente esboçada, esse rudimento de relação que o conhecimento deve recobrir em toda a sua extensão, mas que, indefinidamente, permanece sob ele, à maneira de uma necessidade muda e indelével. (FOUCAULT, 1992. pg 83)

Portanto, cabe pensar novamente na ideia de que todo este universo — todo este sistema complexo de signos, significados e semelhanças, por diferenças — ocorre sob a máscara da linguagem, uma das camadas existentes do conhecimento. Contudo, cabe ressaltar que a linguagem foi a porta aberta que possibilitou o estudo do conhecimento como metalinguagem: o estudo da linguagem pela linguagem. Todo o conhecimento científico teve sua base na linguagem — talvez grande ressalva à escrita pela capacidade de imortalizar o discurso sobre uma plataforma, mas não ignorando os contadores de histórias, que por centenas de anos repassaram histórias e conhecimentos por gerações— pois percebeu-se que o todo que conhecemos, a totalidade dos conhecimentos humanos, se define, por fim, pelos limites de nosso léxico, pela qualidade de nossas palavras e por seus significados. Da mesma forma que o português é a única língua que possui uma palavra para ‘saudades’. São estas peculiaridades que estendem o domínio da língua sobre os fenômenos.

Contudo cabe lembrar que a linguagem é apenas uma das camadas pelas quais nossos pensamentos se constituem, havendo outras línguas, portando outros conjuntos de símbolos, como a álgebra, que pode ser nomeada a linguagem das grandezas naturais — em oposto a gramática como linguagem das grandezas complexas. OBS: se trabalhamos grandezas complexas pelas palavras, por que ainda teimamos em analisar o subjetivo por grandezas mensuráveis?

Nessa posição de limite e de condição (aquilo sem o que e aquém do que não se pode conhecer), a semelhança se situa do lado da imaginação ou, mais exatamente, ela só se exerce apoiando-se nela. Com efeito, se se supõem na cadeia ininterrupta da representação, impressões por mais simples que sejam, e se não houvesse entre elas o menor grau de semelhança, não haveria qualquer possibilidade para que a segunda lembrasse a primeira, a fizesse reaparecer e autorizasse assim sua reapresentação total, que não poderia sequer ser percebida visto que uma representação jamais teria ensejo de se estabelecer num lugar, de ressuscitar outra mais antiga e de se justapor a ela para dar lugar a uma comparação; a tênue identidade necessária a toda diferenciação sequer seria dada. […]

Sem imaginação não haveria semelhança entre as coisas. (FOUCAULT, 1992. pg 84)

Podemos tornar a este assunto em outro momento, mas cabe mencionar o estudo dos memes. Existe um estudo que traça as origens da capacidade imaginativa do ser humano, biologicamente falando. Existe uma semiótica biológica acontecendo sob o nome de teoria dos memes. E de fato, se não houvessem condições em nosso cérebro de armazenar informações e a capacidade de sobrepor e ligar estas ideias, não haveria construção do conhecimento como o conhecemos hoje.

E conceber que este conjunto de palavras — ideias, portanto — existe da mesma maneira para cada um, e que de um em um se replica em sua consistência e ordem, é incrível. Traçando a história dos símbolos vemos que as palavras foram criadas de acordo com sua necessidade e contexto. E cada língua, portanto, criou um léxico condizente com sua rotina e todos os fatores que nos cercam. E estas nomeações se enunciam em tal ordem, ritmo, entonação, sentido, tal qual passam uma mensagem — ou infinitas interpretações de uma sentença aberta.

Na sua raiz primeira, a linguagem é feita, como diz Hobbes, de um sistema de sinais que os indivíduos escolheram, primeiramente, para si próprios: por essas marcas, podem eles recordar as representações, ligá-las, dissociá-las e operar sobre elas. […] mas, de toda maneira, o sentido das palavras só pertence à representação de cada um e, conquanto seja aceite por todos, não tem outra existência senão no pensamento dos indivíduos tomados um a um. (FOUCAULT, 1992. pg 97)

Dessa forma, a diferença entre as línguas e o fato de que elas não se reconhecem quando se sobrepõem, se deve ao fato antes da ordenação das palavras nas construções dos discursos de que sua formação léxica, a criação de suas palavras. Existem equivalências de vocabulário, mas não para a sucessão destas palavras — seja enunciando o sujeito primeiro, ou a ação juntamente ao objeto para depois declarar o agente. É antes a repetição dos símbolos que determina a compreensão do discurso e não o uso das palavras somente— pois há sinônimos e antônimos, os significados são fluídos de acordo com sua enunciação. Portanto, além dos significados das palavras em sua singularidade, sua sucessão no discurso é que determinará seu sentido.

Esta é a maior dificuldade que encontram tradutores: a inversão da sintaxe, a relação que as palavras estabelecem entre si. Em outros termos, a fenda entre duas palavras é de extensão muito maior do que os topos de seus significados.

Como observa a Enciclopédia, o que torna as línguas estrangeiras opacas umas às outras e tão difíceis de traduzir, mais que a diferença de palavras, é a incompatibilidade de sua sucessão. (FOUCAULT, 1992. pg 98)

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Finalizando o recorte, portanto, do que nos interessa arrastar conosco para frente: a linguagem é a base da construção do conhecimento, na dobra da palavra nela mesma, na auto-análise gramatical das palavras se reproduzem a miríade de conhecimentos nas diversas ciências. Além disso, há algo que ocorre nas fendas de uma palavra a outra, algo que permite a enunciação de uma ordem ao discurso, que lhe confere o sentido na ligatura das palavras. Resta, porém, prestar atenção ao verbo para perceber a cerne do movimento de interpretação dos discursos: o quê é.

Há proposição — e discurso — quando se afirma entre duas coisas um liame de atribuição, quando se diz que isto é aquilo. A espécie inteira do verbo se reduz ao único que significa: ser. Todos os outros se servem secretamente dessa função única, mas a recobriram com determinações que a ocultam: acrescentaram-se-lhe atributos e, em vez de se dizer ‘eu sou cantante’, diz-se ‘eu canto’; acrescentaram-se-lhe indicações de tempo e, no lugar de se dizer ‘outrora eu sou cantante’, diz-se ‘eu cantava’; enfim, certas línguas integraram aos verbos o próprio sujeito e é assim que os latinos não dizem ego vivit, mas vivo. […] A essência inteira da linguagem se concentra nessa palavra singular. Sem ela, tudo teria permanecido silencioso, e os homens, como alguns animais, poderiam certamente fazer uso de sua voz, mas nenhum desses gritos lançados na floresta jamais teria articulado a grande cadeia da linguagem. (FOUCAULT, 1992. pg 110)

Dessa forma podemos pensar o verbo ser como central na concepção de uma linguagem. Ser se torna o movimento fundamental das coisas, a qual todos estão sujeitos em menor ou maior intensidade, em horizontal ou vertical. O verbo ser se torna a representação do sujeito da linguagem, aquele que, além de fazer, executar, descontinuar, ou seja lá qual dos modos-de-ser se atualize neste discurso em questão, dá sentido à condição de existência. Ser é existir, de tal forma que a linguagem trata dos entes — sejam eles seres vivos ou não-vivos.

Ser se revela como a trama que perpassa todo o contexto, o contexto do todo. Se há algo que dá continuidade à sucessão das sintaxes; se existe algo que dá o movimento de atualização; se há força que movimenta a exegese de palavra em palavra até o fim do discurso, ele é o ser. E sendo, impõe a condição mínima das existências virtuais pelas palavras. Oras, há de se animar as ideias para que por suas próprias peculiaridades, elas se evidenciem e se organizem.

Podemos até pensar na existência dupla de tudo o que é nomeável através das palavras, no sentido de uma metonímia: a palavra árvore, além de representar toda e qualquer árvore, retém em seus desdobramentos todas as peculiaridades de todas as árvores. O plano das similitudes, que abrigam todas as palavras, pois, existe em infinitos níveis arqueológicos, possibilitando que nas fendas que se perpassam entre uma palavra e outra, estas peculiaridades sejam resgatadas pelos constantes desdobramentos da sintaxe, e que pouco a pouco, em crescente nível de complexidade, as palavras se desdobram nelas mesmas por simpatia e revelam todas as especificidades que conferem múltiplos sentidos ao discurso que aparentava ser unívoco.

Por fim, é exatamente o sujeito da oração, do discurso, o ente que é, que promove toda a dinâmica da linguagem. Oras, por isso que se diz que o ápice da linguagem em sua subjetividade é a literatura — que como o poeta, traça as similitudes pelas diferenças já demonstradas cotidianamente — em contraponto com a álgebra, a linguagem das medidas e das grandezas objetivas — que como o cientista, mede e deduz ponto a ponto na crescente espiral da complexidade que revolve as palavras sobre elas mesmas.

Nos interessa, contudo, a atuação dos loucos com a linguagem:

[…] Segundo a percepção cultural que se teve do louco até o fim do século XVIII, ele só é o Diferente na medida em que não se reconhece a diferença […] (FOUCAULT, 1992. pg 64)

Como se constrói relações de semelhança ignorando as diferenças se estas são o princípio da percepção das identidades? O louco abole as diferenças de tal forma a sobrepujar todos os signos que carrega um por cima do outro, estabelecendo relações de semelhança de forma concêntrica: “ O Louco, entendido não como doente, mas como desvio constituído e mantido, como função cultural indispensável, tornou-se, na experiencia ocidental, o homem das semelhanças selvagens […] é aquele que se alienou na analogia.” (ibid, pg 64). De tal forma que elevar ao limite a capacidade das analogias nos permite forjar — ignorando o fato de se submeter a uma verdade ou não, embora sofrendo este processo inevitavelmente — semelhanças pelas fendas, e não pelos topos: o louco anda pelo subsolo, levando consigo tudo o que encontra e trazendo à luz todos eles sob a mesma semelhança utópica, a qual permite expandir infinitamente os limites sintáticos da linguagem. Ao exemplo de Dom Quixote, também puxando o conceito de parrésia (falar francamente ou pedir perdão por fazê-lo), o louco é aquele que, ludibriado pelas analogias, estende-as ao infinito ao ponto do sentido se tornar tão abstrato que o discurso necessitaria de uma arqueologia tão intensa para que as marcas se evidenciassem.

Assim sendo, focamos nossas atenções às relações de similitude que se dão na esquizofrenia, nessa sobreposição infinita de círculos concêntricos, que se encadeiam em ordem a fim de desprover de veracidade qualquer enunciado. Interessa-nos o comprometimento com a verdade que existe no discurso dos loucos — ou sua ausência ingênua. Assim sendo, sempre que falarmos sobre língua, teremos nossos olhos aos que falam por quaisquer sentidos. Pois assim como o poeta, o louco tem a grande missão de borrar todas as ligaturas e transformar os signos, dobrá-los sobre eles mesmos para que se atinja a pura simplicidade do discurso: a expressão.

Referências:

FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; tradução de Salma Tannus Muchail — 6ª edição — São Paulo: Martins Fontes, 1992

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Rodrigo Moon
A Casu
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Se eu falar diversas coisas mirabolantes sem sentido, não confie em mim nem no que eu falo.