A controladora de nada

caroline machado
a coluna
Published in
3 min readJul 24, 2024

Olá, meu nome é Caroline, e eu sou uma controladora em recuperação.

Já faz alguns anos que percebi este traço da minha personalidade. Extremamente irritada com mínimos atrasos, nunca me ocorreu o fato de o Outro estar no plano do incontrolável. É fato, todavia, que as pessoas são muito voláteis: em um dia chegam na hora, em outro, se atrasam.

Imagine, então, a descoberta seguinte: não só o Outro está no plano do incontrolável, mas também o Eu. Sim, o Eu que é você; o Eu que sou eu. Esta é uma lição que não nos ensinam nem nas matérias mais avançadas de ensino religioso, quando se alcança o final do último bimestre do ano letivo.

Seguem-se os dias com os passos, palavras, amizades, romances e trabalhos. Ouso dizer que todos estes marcadores do desenvolvimento da vida humana são reflexos de escolhas, mas nem sempre bem refletidas — e, pior, mesmo as mais bem refletidas, por vezes, não tem condições de expressar a verdadeira raiz da motivação para que o caminho, palavra, amigo, amor ou trabalho a ou b fosse escolhido(a).

Quando era criança, durante um certo período de tempo, desejei crescer para que tornar uma neurocientista. Almejava, evidentemente, estudar o cérebro e imaginava, na típica ingenuidade da infância, que munida de um bisturi poderia desbravar todos os mares da mente humana. Agora, mais crescida, sei que mil anos de vida não seria tempo suficiente para alcançar o nobre propósito. A mente esconde muito mais onde o fio da faca não alcança.

Esta percepção, hoje, me faz poder dizer que uma controladora de nada. Sigo no meu ímpeto de controlar: me incomodo com coisas além da minha alçada e dentro da minha esfera de possibilidades, ciente de que, no fim, não controlarei nada. Mesmo que tente muito. Mesmo que me torne a maior manipuladora que já pisou na Terra. Mesmo que passe a utilizar a força física. Mesmo que isto, ou aquilo, ou aquilo outro.

No fim, o controle é uma ilusão; é como um castelo de cartas. Basta uma brisa suave para que se desmonte (e a respiração se acelere, a temperatura corporal suba, os pensamentos intrusivos invadam a mente e, de repente, ninguém mais gosta de mim e eu sou a pior pessoa do mundo mas meu deus do céu o quão difícil é chegar na hora e a minha focaccia nunca mais cresceu será que sou uma mulher pouco feminista e meu deus, meu deus… meu deus! como seria bom respirar uma vez só uma vez seria bom se as pessoas me permitissem respirar e chegassem na hora e todos os materiais estivessem sempre disponíveis e eu não fosse uma louca perturbada com o queísmo que relê relê relê as coisas e nunca estão boas o suficiente como a tal da focaccia que agora desandou de vez certamente a minha mão pra pães já era e até escrever assim é problemático porque as pessoas podem não entender mas eu sou uma controladora em recuperação e não deveria me importar com isso porque é tudo muito sufocante, muito, muito sufocante e, mais uma vez, eu só queria poder respirar).

Remontar um castelo de cartas não é tão complicado assim: um pouco de parcimônia, uma pitada de atenção e perseverança talvez ajudem na reconstrução. Volta, assim, aos poucos, a sensação de controle. Hoje em dia, contudo, com estas aceleradas interações digitais, um micromundo para controlar se tornou todo o planeta. O castelo de cartas agora tenta permanecer de pé num vendaval e cabe ao seu construtor decidir se é melhor passar o restante dos dias empilhando as cartas ou vê-las soltas ao vento por uma última vez.

Como uma controladora em recuperação, o ímpeto é inescapável: vou montando a base da pirâmide, ansiando por chegar ao topo, embora saiba que não chegarei, que é impossível, e, pouco a pouco, vou perdendo as cartas. Algum dia, assim espero, me sobrará apenas um par de ases e poderei construir tão somente uma cabaninha de controle. Com sorte, este pouco não atuará sobre o Outro e existirá por mera segurança, para que o descontrole não me tome por completo e eu saia por aí falando qualquer asneira!

--

--

caroline machado
a coluna

escrevo algumas coisas. autora de “Como matar Olga?” (2019). co-criadora da @acoluna. no Instagram @carolinemachada, expresso minhas histórias visualmente.