Geração Finge

Eloisa Capraro
a coluna
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3 min readMay 20, 2022

Em um piscar de olhos, chega-se a uma idade — que pode ser representada por diferentes números — na qual você abre a porta do banheiro em uma festa de aniversário e os membros da nova geração gritam: oiiiiii, tia!!!

Ué. Será só o terninho preto do trabalho que te deixa com ares de não-mexe-aí-garoto-que-tu-vais-te-machucar ou é a cara mesmo que permite transparecer a data de nascimento? De repente, tudo faz sentido. É por isso que os nomes dos tais influencers não são conhecidos aos ouvidos. Talvez nem saibas o que é um influencer — e nem dá para procurar no Aurélio. Ainda existe o Aurélio, né?

Os anos passam e a vida vai acontecendo. Isso significa que é inútil dizer que foi de um dia para o outro — os avisos vieram. Mas a sensação é que em uma noite você dormiu na geração jovem e no outro dia acordou com a existência da geração nova — que te chama de tia.

É nesse momento que vem um filme à cabeça, que te lembra das cenas vividas mais variadas. Assim como o seu sobrinho de dez anos configura um telefone celular muito melhor que tu, em uma idade parecida com a dele, logo ali, abrias o videocassete e limpavas o cabeçote. E os teus pais achavam aquilo muito inteligente, porque na geração deles a maioria das casas ainda esperava a luz elétrica.

É mais ou menos como quando Moisés abriu o Mar Vermelho: de um lado diferente, separada por um caminho, você observa a moçada cantando umas músicas um pouco constrangedoras. É isso mesmo que diz a letra? Não é possível. Mas aí, imediatamente, o anjinho — ou o diabinho — sobe nos teus ombros e assopra: há uns anos você cantava “Vou passar cerol na mão e vou mostrar que eu sou Tigrão” e seus pais faziam a mesma cara de perplexidade. Os avós, nem se fala, deixa eles quietinhos ali.

Se bem que perplexa fico eu cada vez que a minha avó vem com a história da bruxa que ela encontrou dentro de casa sugando a energia da mãe — minha bisavó, no caso. Minhas tias também contam umas histórias desse naipe (cavalo-sem-cabeça e espírito com camisa branca). Meu pai, por outro lado, fala que é tudo bobagem — ele é cético demais. Só que eu acredito que existem espíritos ruins.

Tanto acredito que quando eu estava no ginásio e corria solta a lenda da tal da Maria Sangrenta, jamais participei. Deus que me livre. Amém. As meninas iam no banheiro e diziam palavras que até hoje eu não sei — e nem quero saber. Pois quando eu e a Táta assistimos O Exorcista, não dormi uma semana — de verdade.

Tudo isso para dizer que tudo passa e tudo muda: as roupas, as gírias, a tecnologia, as facilidades, as lendas urbanas e o estilo de música.

E então o estagiário te olha com cara de confuso quando soltas que o amor é uma flor roxa que nasce no coração dos trouxas. Como assim, nunca ouviu isso, menino? Aqui, além de tudo, você descobre que sequer sabe qual é a sua geração, se é X, Y, Millenium, Cringe, talvez seja melhor chamar de “Finge”, finge que está entendendo.

Pronto. Quando menos você esperar, estará dizendo que na sua época as coisas eram diferentes. É, quem perdoa é Deus mesmo. O tempo, nem pensar.

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Eloisa Capraro
a coluna

Há algum tempo tentando não ser uma sem-noção.