Incerteza

Ella Reis
a coluna
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3 min readFeb 8, 2023

Dizem os boatos antigos de que a curiosidade matou o gato, mas, na realidade, a dúvida é a verdadeira assassina a sangue frio daquilo que geralmente idealizamos. Esta, sim, é a vilã que não apenas premedita, mas que executa. Mata lenta e progressivamente, dia após dia, envenenando o pensar daqueles que aguardam o desenrolar do “acontecer naturalmente” com incertezas e inseguranças. Já dizia nosso velho amigo Newton, em sua primeira lei, não espere as acontecerem em repouso, a inércia atrai apenas a inércia.

Desconheço sensação mais dolorosa do que a dúvida. É como uma pulga atrás da orelha que morde e assopra abobrinhas ao pé do ouvido, ou o percevejo no emaranhado de lençóis macios em uma noite intensa e quente de verão. É um bichinho invisível a olho nu, que se infiltra na pele e desconfia, se adere ao tecido, corrói até alma e te deixa com inapetência, seguida do sentimento de impotência.

Por mais ruim que pareça, sempre pode piorar, e ainda pior que tudo isso é a morte não planejada da fantasia. Ah, essa danada debilita qualquer sistema, inclusive daqueles que parecem que foram feitos de ferro. É como se toda a gota de felicidade fosse raspada do fundo tacho em dose única e, então, a serotonina vai-se embora, sem qualquer aviso prévio, deixando um punhado de nada preenchido por completo vazio.

Enquanto a dúvida alimenta a esperança de seja-lá-o-devaneio-doido-que-criamos-e-nutrimos-na-mente, a confirmação da ilusão torna o sofrimento real e palpável. A certeza do contrário daquilo que inventamos é um homicídio triplamente qualificado e tira completamente o chão abaixo dos nossos pés. Quem dera fosse a validação da fantasia apenas uma forte sensação de ardência ocasionada por um corte rápido Tramontina.

Não saber como agir sobre as próprias incertezas é um saco, entretanto, não saber sobre as dúvidas e inseguranças do outro é infinitamente insuportável. Infelizmente, nesse quesito, não há nada o que se possa fazer, a não ser respeitar o tempo daqueles que muitas vezes nos tiram o sono e quase sempre, nos tiram fora do sério.

Apesar de parecer incrível a ideia de dominação mental, não temos, ou melhor, não deveríamos ter o poder de subjugar e controlar o pensamento e as escolhas do outro, ainda mais porquê a incerteza faz parte do script do ser humano, é o duvidar que move a ciência e faz a sociedade evoluir, ainda que doa cada pedaço do corpo.

Então, por mais doloroso que seja deixar o mundo da fantasia na esperança do sim, viva o não de forma verdadeira. Como disse um amigo meu certa vez após algumas doses:

— Mais vale a pena viver um dia apenas de amor correspondido do que um ano inteiro de amor platônico.

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Ella Reis
a coluna
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Extrovertida e introvertida, otimista e sarcástica. Humor, apetite e imaginação exagerados.