Inimiga do ócio

caroline machado
a coluna
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3 min readJul 30, 2024

Depois de uma semana cheia de afazeres, com a cabeça deitando tarde no travesseiro e cedo se levantando, o tédio me abraçou no domingo — um sentimento de vazio existencial que parece sempre surgir acompanhado pela chuva escorrendo janela abaixo.

Ilustração de Renee Melia

Não é novidade alguma o fato de a correria obrigatória do dia a dia estar alterando a forma como os seres humanos aproveitam (ou gastam, dependendo do nível de niilismo do dia) o tempo de lazer. De repente, um dia de bobeira na cama vira uma tortura e o sinal de término da temporada da série assistida, uma lembrança do tempo mal gasto e do ócio.

Com peso na consciência, surge a necessidade de se gastar o tempo de forma útil. Os olhos miram a pilha de artigos e livros que aguardam leitura, mas desviam rapidamente, desinteressados. Uma caminhada ao ar livre não é uma opção e, embora o glúteo esquerdo doa em razão do tempo em que permaneceu amassado pelo tronco numa mesma posição, a ideia de sair do moletom e suar no meio da sala também não agrada — depois, ainda, temos novo banho do dia, troca de roupas, etc., atividades que soam intoleráveis.

A alternativa, pois, é simples: continuar fazendo o mesmo, só que de forma pior. A cama não é mais confortável, menos ainda é a nova série que começou na sequência da outra. Os canais e streamings pulam na tela. Desistência. Mas as músicas também são, de repente, um porre. E não é tudo um porre? E se a vida toda for assim, inútil e estúpida? É possível que seja, só não tinha notado por conta dos afazeres.

Calma, calma. Vamos respirar por um momento.

A vida não é inútil e estúpida. Depois de uma semana corrida, o cérebro custa um bocadinho a se acostumar. E, depois de meses quase sem pausa, ainda mais durante as férias. Mesmo que os afazeres tenham deixado de existir no campo das obrigações, o relógio parece dizer o contrário.

Com um pouco mais de tempo, no entanto, tudo se ajeita. Sem demora, graves e agudos ornarão; o seriado será interessante uma vez mais. Você só caiu no conto do valor moderno. Sem descabelo, sem falta de tempo, sem utilidade constante, dizem, o ser perde o valor. Só não contam por aí que o criador desta besteira tem bastante tempo e, não raras vezes, nem tem cabelo para arrancar.

Às vezes a gente se perde no ritmo, e tudo bem. Tudo bem mesmo. Se algum dano foi feito, uma desculpa sincera pode ajudar. A segunda-feira está tanto para aceleração quanto a sexta-feira está para desaceleração. Nesta mesma metáfora, portanto, final de semana é o equivalente do pit stop, momento em que todas as peças se alinham paradinhas, e a cama é o pit lane. Melhor assim. Já imaginou trocar o pneu de um carro em movimento?

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caroline machado
a coluna

escritora e estudante. autora de “Como matar Olga?” (2019). co-criadora da @acoluna.