O presente
O primeiro lugar que conheci no mundo, além do interior da barriga da minha mãe e do hospital, foi a casa dos meus tios-avôs, em Biguaçu.
Não sei se é por isso que tenho um sentimento tão caloroso com relação àquela casa, que já mudou tanto na última década e recebeu incontáveis hóspedes caninos, inclusive o Titico, um vira-lata galego engraçadíssimo e xodó da minha tia-avó, falecido há alguns anos, para a nossa tristeza.
A minha última visita, há poucos meses, foi a primeira sem meus pais e anos anos e muita postergação para acontecer. Ainda assim, quando cruzei a soleira da porta da cozinha, foi como se nada tivesse mudado e eu estivesse nas férias escolares de novo, passando algumas semanas fora e comendo mel com pão de café da manhã.
Na última terça-feira, acordei enfezada, irritadiça, ranzinza, arrenegada, etc. Era um daqueles dias em que absolutamente tudo consegue me tirar do sério e não tem quase nada que consiga fazer sair desse estado de pessoa insuportável. Mas uma mensagem da minha avó, dizendo que ela tinha visitado minha tia-avó e que esta tinha me enviado um presente mudou tudo.
Fui na minha avó no mesmo dia, subi no apartamento dela e entrei. Como sempre, foi oferecida comida, “qualquer coisa” que eu quisesse, mas neguei, porque estava com pressa. Logo, então, ela me disse que o presente estava no carro, lá embaixo, e descemos a escada. O seguinte diálogo se desenrolou nos degraus:
— O que é que ela mandou? — questionei.
— Uma coisa que tu pedisse…
— Que eu pedi?
— É… Que tu pedisse da última vez que fosses lá.
— É banana? — perguntei. Minha tia-avó tem uma bananeira em casa, livre de agrotóxicos, o que seria perfeito para uma “carne” de casca de banana deliciosa.
— Não…
— É broa?
— Não…
— É de comer? — Já estava ficando um pouco nervosa, pois não lembrava de nada que poderia ter pedido. Comida me parecia ser a única opção.
— Não. Quando chegar ali no carro vás ver. — E logo já estávamos no térreo.
Minha avó me entregou um pacote azul, razoavelmente grande e pesado. Peguei nas mãos e senti uma moldura. Perguntei:
— Ah, é uma fotografia?
A minha avó não respondeu, porque não deu tempo. Antes de ela falar, me recordei do que havia pedido: um quadro, que estava na casa da tia-avó desde as minhas mais remotas memórias e que mostrava uma casa rodeada de flores, arbustos, etc, tudo em azul.
O detalhe que sempre chamou a minha atenção na infância é que a o azul de tom conforme a luz bate no vidro, ou do ângulo em que observamos. Agora, o quadro é meu, a materialização de várias lembranças felizes que tive na sua antiga casa.
Na terça-feira, voltei para casa com um sorriso no rosto e assim fui dormir. No dia seguinte, acordei pensando em como algo tão simples pode fazer a diferença e decidi que deixaria o quadro sempre à vista, só por via das dúvidas.
Durante a quarta-feira fui ficando com um humor azedo de novo? Claro! O ápice foi quando meu celular desligou bem na hora de desbloquear meu cartão para passar as compras no caixa do mercado. Tive que ir correndo pra casa buscar o dinheiro? Sim. Xinguei muito no meio do caminho? Sim. Depois de tudo resolvido, entretanto, cheguei em casa, vi o quadro e um dei um sorrisinho. Acho que podemos concordar que deu tudo certo, então.