Quinta-feira
Na última quinta-feira, estávamos caminhando e, por volta do terceiro quilômetro, ela começou a me contar:
– Eu sonhei que todos os dias eram quintas-feiras.
– Sério? — questionei.
– Sim — me disse. — Eu acordava e era quinta-feira. Aí seguia fazendo minhas coisas, mas o dia não acabava, então me deitava para dormir um pouco. Quando abria os olhos, percebia que tinha dormido bastante, mas ainda era quinta-feira.
– Credo, que horror!
– Pois é… Aí, eu voltava a dormir e descansava mais. Quando acordava, era quinta-feira de novo. O dia seguinte não chegava, não importava o quanto eu dormisse.
– Esse é o pesadelo do proletariado.
Rimos.
– Eu acordei hoje — ela continuou — e pensei: ‘Não acredito que é quinta-feira de novo!’, só que logo percebi que tinha sonhado e fiquei mais tranquila. Mas foi um sonho pesado, sabes? Acordei cansada.
– Credo… Ainda bem que foi só um sonho, porque se eu acordar amanhã e ainda for quinta-feira, venho atrás de ti! — brinquei. — Se for quinta-feira de novo para ti, vai ser para todo mundo!
Rimos de novo, eu mais do que ela (o ego inflado sempre vem à tona) e seguimos caminhando.
No dia seguinte, fiquei imaginando com o que sonhavam as pessoas há mil, quinhentos ou duzentos anos. Contive o urgente desejo de recorrer à internet para obter uma resposta para os meus questionamentos — certamente alguém realizou estudos sobre os sonhos dos nossos antepassados.
Será que sonhavam com os monstros marinhos que supostamente habitavam os trechos ainda não descobertos do oceano? Os mapas-múndi mais antigos me fazem crer que sim. Seria a fúria dos deuses o terror que invadia as suas mentes nas madrugadas geladas? Muito também indica que sim. A humanidade sabia tão pouco sobre o lugar em que habitava, as possibilidades etc. Nada mais justo que a imaginação fosse aflorada pelo desconhecido.
Nos dias atuais, entretanto, a história é diferente. Sabemos muito. Em alguns âmbitos, sabemos de tudo. O desconhecido é mais pontual do que nunca e a sua extinção parece mais próxima do que o seu nascimento. Então, sonhamos com a realidade; com um cotidiano que nos esmaga; com uma quinta-feira que nunca acaba.
Felizmente, dependendo do ponto de vista, os dias acabavam e vêm os novos. O fim do desconhecido parece tão próximo quanto a data da explosão do sol e ainda há muito a ser explorado. Os pesadelos sobre o peso do mundo, recorrentes a Atlas, nos são esporádicos. Hoje é segunda-feira e a perspectiva de futuro é prospera: um novo fim de semana nos aguarda.
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