Um universo

caroline machado
a coluna
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3 min readOct 10, 2022

Existem alguns universos escondidos no nosso cotidiano. Na última semana, tive a oportunidade de espiar a interação de um grupo de pessoas unidas por algo bastante particular, a maternidade/paternidade.

Depois de um acidente na escola, acompanhei minha prima de 2 anos até a ala pediátrica de um hospital em Balneário Camboriú. Subimos — eu, ela, minha tia e minha avó — até o segundo andar, local em que aguardamos o atendimento.

As cadeiras estavam preenchidas por mães e pais, crianças nos colos. Um deles relatava no celular o ocorrido com o filho, em voz alta. Outra tirou uma foto da filha para enviar aos parentes e assegurar que tudo estava bem. Ainda que levemente distraídos, todos prestavam atenção no cercadinho que dava acesso à escada, para evitar um acidente.

Fora o cercado, os pais permaneceram atentos aos próprios filhos. Isto é, até o momento em que uma amizade de formou. Duas crianças — de 2 anos cada, disseram as mães — começaram a conversar num tatibitate empolgado, enquanto corriam de um lado para o outro.

— Nem parece que está doente — comentou uma mãe, em tom de graça, enquanto apontava para o filho enérgico.

Os pais e mães do recinto esboçaram um sorriso sincero. Um sorriso, na verdade, empático. O sorriso que só alguém que está preocupado com uma criança e logo vê os sintomas de enfermidade se afastando no meio de uma brincadeira pode dar.

Os garotinhos seguiam de um lado para outra, incansáveis. Se trombavam no meio do caminho, retomando o ritmo na sequência. Dividiram um suco de uva para brindar o encontro e a amizade. Tudo isso, enquanto os olhos de todos os adultos os acompanhavam.

Eu, ainda sem filhos, me senti na reunião secreta de um culto. O carneiro infiltrado na matilha zelosa. No ar, evidentemente, pairava a preocupação generalizada, cuja consistência espessa dava lugar, com bastante frequência, à leveza da infantilidade e da nova amizade.

Quando um dos amiguinhos foi embora, depois da sua consulta, o outro ficou no centro da sala, com as mãos atadas em frente ao corpo, observando cabisbaixo. Todos os adultos se comoveram e ecoou um “Ahh…” no recinto. Menos de um par de minutos mais tarde, porém, lá estava o garotinho, brincando como se nada houvesse acontecido, e o peso nos corações mais velhos também se esvaiu.

Algumas horas mais tarde, voltei para casa pensando na fugacidade das coisas, e nas suas invisibilidades. Entendi prudente registrar, ainda que de maneira simples, aquela amizade de uma só hora, e toda a comoção que sobre ela foi criada.

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caroline machado
a coluna

escrevo algumas coisas. autora de “Como matar Olga?” (2019). co-criadora da @acoluna. no Instagram @carolinemachada, expresso minhas histórias visualmente.