O Cristianismo Deixará de Existir?

O que realmente importa quando se trata de Religião

André Camargo
Revista Tudo é Sagrado
4 min readAug 12, 2022

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Meu Deus, minha meta e meu cumprimento; eu sou teu ontem e tu és meu amanhã. Eu sou tua raiz na terra e tu és minha flor no céu, e juntos crescemos diante da face do sol.

Khalil Gibran

Sorocaba, agosto de 2022

Estava no táxi, saindo da praia com minha filha caçula. Ouço a locutora no rádio: “se você não está voltando das férias mais pobre e mais gordo, é porque não teve férias”.

Eu, definitivamente, tive férias — e agora cá estou, entre visitas à academia, pratos saudáveis e faturas gordas do cartão de crédito.

Naqueles dias de descanso, li bastante, em particular sobre Misticismo Cristão. Leituras profundas, inspiradoras, ainda que tenha de lidar com os sentimentos intensos e contraditórios que o Cristianismo desperta em mim.

Os livros que li foram:

  • O Caminho do Silêncio: Viver o sagrado todos os dias — do monge beneditino austríaco David Steindl-Rast
  • Tudo é Espiritual, do pastor pop americano Rob Bell
  • Oração: O que é, como se faz — do teólogo holandês Henri Nouwen

E ainda estou lendo:

  • Mística: Descobrir o espaço interior — do monge beneditino alemão Anselm Grün

Algo que atravessa as quatro obras é uma faceta do cristianismo diferente do que a maioria de nós está acostumada, mais distante da esfera da doutrina, da política e do dogma e mais próxima do coração e da alma.

O monge David Steindl-Rast, por exemplo, afirma que a espiritualidade não é uma parte da vida separada do resto, mas “uma consciência vital que permeia todos os âmbitos do nosso ser”.

Onde quer que despertemos para a vida, esta é a esfera em que somos espirituais.

Espiritualidade e religião são fenômenos diferentes.

Existem pessoas de uma espiritualidade vibrante, que porém não fazem parte de qualquer religião — eventualmente nem acreditam em um Deus.

Em contrapartida, há pessoas muito religiosas, porém de uma espiritualidade árida ou superficial.

A religião organizada pode servir tanto para nutrir e cultivar quanto, ao contrário, para suprimir a expressão da vida genuinamente espiritual.

A Mística trata do núcleo pulsante da espiritualidade humana, o caminho do despertar por meio da experiência.

Encontrei em um dicionário de inglês uma definição de que gostei, porque vai direto ao ponto. Veja:

Mística é “a pessoa que afirma alcançar, ou acredita na possibilidade de alcançar compreensão acerca de mistérios que transcendem o conhecimento humano comum, pela comunicação direta com o divino ou por intuição imediata em meio a um estado de êxtase espiritual.”

Misticismo — seja cristão, sufi, budista ou de qualquer outra tradição — é o caminho espiritual de contato direto com o Sagrado.

Porque sua experiência coloca em questão a rigidez dogmática, porém, os místicos ao longo do tempo foram perseguidos, torturados e assassinados pelas instituições religiosas oficiais.

O caso mais impactante da história, inclusive, é o de Jesus Cristo — que foi, antes de tudo, um místico.

Anselm Grün justifica o interesse crescente pela mística, nos nossos tempos, entendendo-o, entre outras coisas, como um anseio pela experiência real.

Diz ele: “não nos contentamos mais em apenas crer no que nos dizem outras pessoas; temos que, conforme diz a Bíblia sobre Deus, experimentar por nós mesmos.”

A jornada mística envolve experimentar Deus — ou o Divino — por nós mesmos.

Além de ‘Deus’, a esfera do Divino pode ganhar muitos outros nomes, dependendo do povo, do tempo e do lugar: Grande Espírito, Brahman, Alah, Consciência Cósmica, Grande Mistério, a Fonte.

São diferentes imagens por meio das quais os seres humanos buscam traduzir uma experiência que não tem tradução.

Em meio à debandada galopante de católicos e protestantes que não se identificam mais com o que se faz e o que se fala hoje em nome de Jesus, Anselm Grün cita as palavras do sacerdote jesuíta Karl Rahner:

“O Cristianismo do futuro será místico. Caso contrário, deixará de existir.”

Me parece um bom prognóstico. Não apenas para o Cristianismo, mas para toda tradição religiosa que ao longo da história se afasta de sua raiz mística e espiritual.

Afinal, aí, cedem espaço a seu aspecto mais sombrio: a mercantilização da fé, a degradação dos ensinamentos, o acúmulo de riquezas, o controle social, a promiscuidade com o poder político e os abusos de todo o tipo.

Não acredito que o Cristianismo vá simplesmente desaparecer; caberá às lideranças religiosas, porém, cada vez mais, ampliar a sensibilidade aos anseios espirituais genuínos de quem busca, mais do que verdades prontas, acolhimento, sentido e conexão.

André Camargo é autor do livro “O Poodle de Schopenhauer” e do artigo mais lido do Linkedin em 2017.

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