O que Aprendi com o AVC da Minha Vizinha
A maior das tragédias não é morrer, mas desperdiçar a própria vida
Vocês vêem esta taça? — perguntou Ajahn Chah, segurando um copo. — Para mim, este vidro já está quebrado. Eu usufruo dela, eu bebo dela. Ela contém a minha água de forma admirável, algumas vezes até reflete o sol, em lindos padrões. Se eu bater de leve nela, ressoa com um bonito som. Mas quando a coloco na prateleira e o vento a derruba, ou meu cotovelo esbarra derrubando-a da mesa, ela cai no chão e se estilhaça. Então eu digo “É claro”. Quando compreendo que este copo já está quebrado, cada momento com ele se torna precioso.
Mark Epstein
Ainda me lembro da sensação inebriante de ter a vida inteira pela frente. Todas as portas abertas.
Quando comecei a faculdade de Psicologia, dava para sentir no ar: um acreditava, no íntimo, que se tornaria o novo Freud; outro, o novo Piaget.
Aí o tempo vai passando, conflitos, filhos e tals, e você tem dificuldade até de descolar um troco para o basicão. A gente vira uma esquina e, de repente, a realidade coloca você no lugar.
Outro dia, participei de uma aula experimental de teatro. No final, fui bater papo com a professora. Levava uma vida confortável como advogada, tinha dinheiro e prestígio.
Só que detestava.
O Chamado para que mudasse de vida chegou da forma mais trágica: a morte de uma filha pequena, alguns anos antes. Com lágrimas nos olhos, me contou que só então caiu a ficha: a vida era frágil e preciosa demais.
Não dava mais para adiar o encontro com a própria Verdade.
Abandonou a vida sofisticada, mas inautêntica, e seguiu o que fazia seu coração vibrar. Teatro.
Na primeira metade da vida, que é tempo de expansão, subimos a longa encosta de uma colina.
Quando olhamos para a frente, ao caminhar, é sempre o céu azul, amplo e sem limites, que se estende diante de nós.
Tão logo atingimos o cume, porém, iniciamos a descida. Um dia nos damos conta de que, ao olhar para a frente, não mais o céu, não mais o azul.
A partir da meia-idade, nos despedimos daquela sensação de ter a vida inteira pela frente. Mergulhamos, cada vez mais, em momentos de síntese e recolhimento.
Nosso tempo de vida, no fundo, é tipo um final de semana na praia: no sábado, desfazemos as malas; no domingo, já nos preparamos para partir.
Agora, na verdade, a gente não sabe. A gente imagina que vai morrer de velho, mas o fato é que não há hora certa para morrer.
Pode acontecer daqui a cinquenta anos — ou daqui a duas horas. É imprevisível. Ainda que seja longa, porém, segundo os hindus, a vida humana é tão breve quanto um piscar dos olhos de Brahman.
Para os budistas, nossa existência é breve como o voo de uma bolha de sabão.
A língua inglesa tem uma expressão preciosa, de difícil tradução: to take for granted. Eu traduzo por “tomar algo por certo”.
Quando a gente faz de conta que a morte só existe para os outros, que é como lidamos coletivamente com o próprio fim, a gente vive como se tivesse todo o tempo do mundo. Como se a vida fosse algo garantido.
Mas não: a vida é frágil e preciosa.
Pouco tempo atrás, a sub-síndica do condomínio onde moro, jovem e querida por todos, mãe de dois filhos adolescentes, saiu para trabalhar e teve um AVC. À noite, estava morta.
De uma hora para outra, sem aviso e sem sinais.
Todos nós estamos mortos. Você parou para pensar? Ninguém sai vivo deste filme. O destino do copo é se quebrar. Só o que nos separa do fim é o tempo — uma duração incerta.
Elimine o fator tempo e já estamos mortos.
Não importa sua idade, se está começando uma faculdade ou embarcando na aposentadoria. Você não tem todo o tempo do mundo.
Dê-se conta, porém: neste preciso momento, você respira — está vivo/a! Quão extraordinário isso é?
Poderia não existir nada — vida, universo, Big Bang, nada. Seria muito mais lógico, inclusive, que do nada só surgisse… o nada.
No entanto, contra todas as probabilidades, a vida existe e aqui estamos nós!
Segundo Winnicott, um pediatra e psicanalista inglês já falecido, pior do que morrer é não ter nascido.
Ele não se referia apenas ao nascimento biológico, mas ao doloroso processo de amadurecimento que nos permite nascer para a própria verdade. Só então nos sentimos vivos e reais.
Não sabemos quanto tempo irá durar a história de cada um. Esboçamos um novo parágrafo a cada respiração.
O único tempo que temos disponível, de fato, é o Agora, até que em algum momento a luz se apague.
Então vá, pare de desperdiçar seu tempo com distrações, como procurar um bom emprego, uma casa segura e prazeres líquidos: persiga o que enche sua vida de sentido e faz o seu coração vibrar.
Originally published at obviousmag.org on March 29, 2015.