Pensar Menos, Sentir Mais

Reflexões espirituais sobre como a Vida poderia ser

André Camargo
Revista Tudo é Sagrado
3 min readJun 11, 2021

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imagem: Edu Lauton / Unsplash

Nos últimos meses, estou passando por um processo de iniciação espiritual com o uso de plantas de poder.

Depois de uma sessão com Ayahuasca, já em casa, me lembro de ter comentado com minha companheira:

Este jeito que eu estou agora: é assim que deveria ser.

Sentia uma paz profunda tanto física quanto emocional. Como se toda rigidez tivesse sido puxada para fora do meu corpo e da minha alma. Fez-me lembrar da ideia das couraças musculares, de Reich.

Veja que curioso: não tinha a sensação de estar chapado ou alterado, como quando tomo álcool, por exemplo. Justamente o contrário: aquilo parecia o natural — o bom, o belo e o verdadeiro.

Que loucura

Em primeiro lugar, me causava espanto a ideia de que a possibilidade de acessar esse estado sentido como natural estivesse na dependência do uso de uma substância externa, à qual pouquíssimas pessoas terão acesso ao longo da vida.

E, em segundo lugar, imaginar que, dentre as mais de 30 mil espécies de plantas da floresta amazônica, os nativos tenham encontrado uma combinação específica de duas delas que, depois de um preparo cuidadoso (preparo também descoberto por eles, sabe-se lá como), leva a pessoa a acessar esse tipo de experiência!

Qual a chance?

Visões convergentes

Comentei com a Rosana, a xamã que me orienta, algo a respeito da sensação de ter acessado esse estado natural. Ela me respondeu citando a Monja Coen.

De fato, me lembro bem, é esta a visão do budismo (que tenho praticado nos últimos vinte anos): o que a gente chama de nosso estado normal — o Samsara — é na verdade viver em modo sonâmbulo.

Vivemos tão imersos nas nossas próprias questões que mal reparamos no que está bem diante de nós.

Como tão bela e pungentemente apontou John Lennon:

“Vida é o que nos acontece enquanto estamos ocupados fazendo outros planos.”

O estado de consciência que conquistamos por meio da prática espiritual, portanto, não deve ser considerado um estado alterado.

Daí a radicalidade do achado do Buda: o despertar do sonambulismo, ainda que seja alcançado por pouquíssimas pessoas, é nosso estado natural.

O normal, portanto, no sentido de estatisticamente prevalente, não é nem natural, nem saudável — particularmente em uma sociedade em que se torna cada vez mais normal sentir ansiedade, sofrer de depressão ou viver pensando em suicídio.

Anestesia

Lembro também de uma palestra de que participei anos atrás, na Casa do Saber, em São Paulo, e que ainda está viva em mim.

Era algo sobre a Experiência Estética por meio da leitura de obras clássicas da literatura mundial.

O professor, de cujo nome não me recordo agora, disse que vivemos, hoje, em um estado de anestesia. E que, como diz o nome, o antídoto para essa an-estesia é a experiência estética.

Não poderia concordar mais. Essa é também a minha percepção: de que vivemos coletivamente uma regressão da sensibilidade.

Razão e Emoção

Comentei pouco tempo atrás, em um grupo de prática de Conversas que Importam, que coordeno, que vivemos tempos caracterizados pela fobia aos sentimentos e emoções.

Como resultado da cultura logocêntrica que nos permeia, sentimos medo de sentir. Para muitos de nós é difícil, inclusive, ter clareza sobre o que, afinal, queremos.

Até porque, como sugeriu Freud, nem sempre a gente quer o que deseja. Nossa vida emocional, como enfatizou a psicanalista Melanie Klein por meio dos conceitos de seio bom e seio mau, é marcada desde o começo pela ambivalência.

A aposta excessiva na razão e no intelecto, em detrimento da capacidade de sentir, de querer e de se importar, gestos que nos fazem humanos, esse é o estado alterado com o qual devemos nos ocupar se esperamos viver vidas que façam sentido e tenham significado.

André Camargo

Psicanalista, Escritor, Mestre em Psicologia pela USP. Pioneiro na divulgação da Desescolarização no Brasil.

Ajudo quem busca evitar viver como se não tivesse existido. www.andrecamargo.com

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