A luta da televisão para se manter como principal meio de transmissões ao vivo de futebol

Gabriel Ruggiero
A disputa das redes nas telas
11 min readJun 26, 2021

Antes da televisão se tornar o meio tradicional das transmissões ao vivo de futebol, as pessoas conseguiam ter uma experiência de ouvir às partidas pelas emissoras de rádio. Os narradores, comentaristas e os repórteres, faziam o possível para dar ao ouvinte a experiência de estar no estádio. Apesar de não ter as imagens da partida para transmitir, o narrador conseguia explicar detalhadamente cada jogada, para que o ouvinte da rádio pudesse imaginar todos os lances e torcer para seus devidos times e jogadores favoritos. Os fãs de futebol adoraram essa forma de acompanhar o jogo de futebol, com a possibilidade de ouvir a transmissão em casa, no carro ou em praças públicas. Uma história que começou na década de 1930 mas que até em 2019, antes da pandemia do corona vírus chegar ao Brasil, ainda era possível encontrar torcedores nos estádios com fone de ouvido conectados no celular e ouvindo à alguma emissora de rádio que transmitia ao jogo.

O mistério da primeira transmissão de futebol pela televisão

As transmissões ao vivo de futebol pela televisão só começaram a entrar no cenário da mídia em 18 de setembro de 1955, segundo o jornalista, Marcelo Duarte, no livro: Guia dos curiosos, na transmissão do jogo entre Santos e Palmeiras pela Record. Por outro lado, o jornalista, Celso Unzelte, diz em seu livro: Timão: 100 anos, 100 jogos, 100 ídolos, que a Record já teria feito uma transmissão anterior a dita acima: “O jogo decisivo do Paulista de 1954, entre Palmeiras e Corinthians, foi transmitido ao vivo do Pacaembu, para poucos aparelhos de televisão que existiam na época”. Essa partida foi realizada, no dia 6 de fevereiro de 1955.

Não está claro se essas foram realmente as primeiras transmissões de futebol ao vivo pela televisão, mas sabe-se que em 1955 tanto a Record em fevereiro como a TV Tupi em setembro já faziam transmissões pela televisão para a população brasileira assistir. Juca Kfouri em 2015 na sua coluna no BlogdoJuca, escreveu: Sim, a TV transmitia futebol em fevereiro de 1955, após ler o livro de Marcelo Duarte citado acima, e checar com fontes presentes no jogo entre Corinthians e Palmeiras pela final do Campeonato Paulista de 1954. Silvio Luiz, afirma ter sido o repórter de campo da Record para aquela partida, que teria sido transmitida pela televisão.

Ao entrar em contato com Silvio Luiz para conferir essas informações, o narrador disse que a TV Paulista, na qual trabalhou como repórter esportivo, antes de mudar para a Record, também transmitia partidas de futebol naquela época. Apesar dessas informações, Silvio não soube dizer qual foi a primeira partida transmitida pela televisão em que trabalhou.

A Globo, que hoje é a principal detentora dos direitos de imagem dos campeonatos nacionais, só transmitiu sua primeira partida de futebol em 1965, dez anos depois das supostas primeiras transmissões pela televisão. A Globo utilizou a gravação da partida entre Brasil e União Soviética transmitindo duas horas após o término para todo o Brasil, mas com uma narração como se fosse ao vivo.

Em 1970, a Globo conseguiu mais um feito histórico: a primeira transmissão de futebol ao vivo e a cores. No dia 7 de junho, a partida entre Brasil e Inglaterra foi assistida pelo então presidente Médici e outros convidados que participaram de uma sessão particular, já que poucos aparelhos no país transmitiam em cores naquela época.

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O formato das transmissões ao vivo na televisão seguiam o formato utilizado nas rádios, porém com utilização das imagens da partida, o que provocou uma mudança na fala do narrador após um certo tempo de adaptação, pois não precisavam falar tão rápido como no rádio já que os espectadores assistiam a partida. A transmissão até então ainda eram em preto e branco e com baixa qualidade de imagem.

Linha do tempo sobre a televisão no Brasil e o futebol:

1955 — Primeiras transmissões de futebol na televisão.

1965 — Primeira transmissão de futebol na Globo, duas horas após a realização da partida.

1970 — Primeira transmissão de futebol ao vivo e a cores

2017 — Primeira transmissão ao vivo do futebol brasileiro de maior relevância feita exclusivamente pela internet

Foram mais de 60 anos de dominância da televisão com transmissões ao vivo de futebol exclusivamente com imagens. Em 2017, a transmissão do jogo do Campeonato Paranaense entre Athlético Paranaense e Coritiba foi feita pelo Youtube, no canal dos clubes. A Globo e os dois clubes tentaram entrar em acordo para a transmissão ser feita pela televisão, mas os dois clubes não aceitaram a proposta final.

A interatividade com a televisão e seus problemas

A mudança na narração foi um grande marco no futebol, as emissoras televisivas se adaptaram a novas tecnologias e seguem sendo relevantes até hoje. Porém, a tentativa mais recente de se adaptar, é a interatividade com os espectadores/internautas.

Na televisão, a interatividade com os espectadores já vinha ganhando espaço, através de telefonemas e até mensagens por SMS. Com a popularização das redes sociais, os debates sobre futebol ganharam muita força. Portanto os canais televisivos começaram a dar voz aos fãs que interagem com eles pelas redes sociais, com os narradores lendo mensagens publicadas no Twitter e no Facebook.

Porém, alguns internautas podem ir longe demais em brincadeiras, e as consequências não os afetam diretamente, portanto continuam criando situações constrangedoras para: comentaristas, narradores, repórteres, jogadores e torcedores.

Com a necessidade de se reinventar, a televisão tenta aproximar o internauta com as transmissões. Porém essa aproximação tem de ser feita com muito cuidado. Uma das formas que tanto as rádios como a própria televisão conseguiram trazer essa interatividade é com a leitura de comentários feitos pelos torcedores em rede social usando a uma hashtag do jogo transmitido.

Um dos problemas que aconteceu com a interatividade do público e a televisão foi que no domingo, 12 de maio de 2019, durante o jogo entre Santos e Vasco, a votação popular do prêmio “Craque do Jogo”, da Rede Globo, teve um movimento na internet para premiar o goleiro do Vasco, Sidão, logo após falhar no primeiro dos três gols sofridos pelo time vascaíno. A votação acabou com mais de 80% dos votos para o goleiro. A Rede Globo entrega um troféu para o vencedor desse prêmio no final de cada partida, e a cena não foi nada agradável, tanto para a repórter que ficou encarregada de entregar, como para o goleiro que teve de receber o “prêmio”.

Essa não foi a primeira vez que a internet manipulou o resultado com movimentos de grandes páginas futebolísticas para “brincar”, já que era uma votação popular. Nos outras vezes: Rodinei e Márcio Araújo já tinham sido premiados como “Craque do Jogo”, jogadores muito questionados por fracas apresentações. Outro caso aconteceu em um amistoso entre Brasil e República Checa, onde o goleiro tcheco, Ondrej Kúdela, foi escolhido, devido ao sobrenome com outro significado na língua portuguesa. A diferença é que nesses casos não havia premiação presencial, era apenas virtual. Porém, mesmo assim não ficou confortável para o narrador anunciar o vencedor, até porque ficou claro que não tinha sido pela atuação e sim somente pelo nome do jogador.

A Rede Globo modificou o formato da votação após o caso do goleiro Sidão, que viralizou e polemizou o prêmio. Agora os comentaristas também terão voz, mudança para que o vencedor seja um jogador que teve destaque positivo na partida.

Mesmo após essa mudança, os narradores continuam divulgando quem foi o vencedor pela votação popular. No jogo entre Brasil e Catar. A torcida votou, e a Globo anunciou: Neymar como “Craque do Jogo”. O atacante brasileiro saiu de campo aos 15 minutos do primeiro tempo após uma lesão no tornozelo e ainda por cima, Neymar na época estava sendo acusado de estupro. Assim como planejado, os comentaristas votaram e escolheram outro jogador para ser o “Craque do Jogo”. Mas sem deixar de mostrar para o público o vencedor da votação popular.

Na televisão, há diferentes formas dos fãs de futebol assistirem partidas, uma delas na TV aberta, com a possibilidade do maior número de pessoas assistirem por ser de graça, para as pessoas com televisão. A outra forma são nos canais fechados, que são pagos mensalmente, para o torcedor ter acesso a programação e assistir aos jogos transmitidos por lá. Com um calendário cheio de campeonatos e torneios espalhados ao ano, torcedores que estão dispostos a pagar, tem que escolher um pacote com grande parte dos canais, ou pagar separadamente que pode sair mais caro, porém garante os canais que o espectador procura.

Vale a pena pagar um pacote de televisão fechada, com as emissoras tendo canais de streaming na internet?

Na lista abaixo, tem uma comparação com o preço estimado entre o que um torcedor teria que pagar separadamente por plataformas de streaming para poder ter acesso a todos os jogos de clubes brasileiros e grande parte dos jogos de clubes grandes da Europa que tem uma boa audiência aqui no Brasil; com o preço que um torcedor pagaria para ter um pacote com os canais esportivos na televisão e quais campeonatos ele consegue assistir. Tabela com os preços de 2019.

  • Premiere(televisão e internet): R$79,90/mês — Transmite todos os jogos das séries A e B do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil.
  • SporTV (televisão): Somente por assinatura com pacotes das operadoras — Transmite alguns jogos das séries A e B do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil
  • Esporte Interativo Plus(internet): R$19,90/mês — Transmite a Série A do Campeonato Brasileiro (somente jogos entre Palmeiras, Internacional, Santos, Athlético-PR, Bahia, Ceará e Fortaleza) e a Liga dos Campeões.
  • DAZN (internet): R$37,90/mês — Transmite a Copa Sul-Americana, Série C do Campeonato Brasileiro, Campeonato Italiano, Campeonato Francês, Copa da Inglaterra, Copa da Itália e Copa da França.
  • ESPN (televisão e internet): R$21,90/mês — Transmite Campeonato Inglês e Campeonato Espanhol.
  • Fox Sports (televisão e internet): R$19,90/mês — Transmite Libertadores da América, Campeonato Alemão e Europa League.

Um torcedor que queira assistir todos esses campeonatos, teria que pagar no total R$179,50/mês sendo que alguns jogos acontecem ao mesmo tempo, portanto não é possível assistir a todas a s partidas, porém nos sites de streaming existe a possibilidade de assistir os programas e jogos após o acontecimento dos mesmos, sem depender da grade de programas da televisão.

Um torcedor que assina um pacote de uma operadora, de televisão fechada com canais de esporte, paga no primeiro ano: R$109,90/mês e consegue assistir Fox Sports, ESPN, SporTV, fora as emissoras de TV aberta. Após o primeiro ano o assinante da operadora, passa a pagar R$144,90, fora o ajuste anual que pode aumentar ainda mais a conta. Esse usuário não conseguiria assistir aos campeonatos e copas que passam somente na DAZN por não terem um canal televisivo.

A TNT Sports, tem uma história curiosa nesses últimos anos. No início de 2021, o Esporte Interativo deixou de existir, e passou a ser chamado de TNT Sports. O canal de televisão do Esporte Interativo foi desativado em 2018 até então utilizam o canal da TNT e do Space para transmissões de jogos da Liga dos Campeões, do Campeonato Brasileiro entre outros jogos. A programação desses canais continua sendo com filmes, portanto a TNT Sports não tem um canal próprio. Apesar disso, o grupo tem uma programação em seu site de streaming, Estádio TNT Sports, em que é possível ver programas e os jogos pela internet.

Para quem não assina nenhum canal de TV fechada, ainda é possível assistir jogos, porém o número é drasticamente mais baixo e muitas vezes os jogos que as emissoras transmitem podem não ser o jogo que o espectador quer assistir. Dentre as opções de TV aberta estão: Globo (Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil), Band(Campeonato Brasileiro Feminino, Campeonato Italiano e Campeonato Alemão), SBT (Libertadores), Rádios/Web rádios (todas partidas, porém sem imagem do campo). A TV Brasil, rede de televisão pública do Governo Federal, também virou uma opção, foi a única transmissora de uma partida da Seleção Brasileira, além do site da CBF que também transmitiu a partida para todos que tem uma conexão a internet. Outras partidas de menor expressão foram transmitidas por canais do Youtube dos próprios clubes ou dos próprios torneios.

Em 2019 antes da Band conseguir um contrato com a CBF para transmissão do Campeonato Brasileiro Feminino na televisão em rede aberta, algumas partidas estavam sendo transmitidas somente pelo Twitter. Em 2020, foi a ESPN Brasil, que entrou na onda e transmitiu alguns jogos do campeonato pela televisão por assinatura, pela primeira vez na história. Em 2021, o principal torneio nacional feminino, apostou em uma estratégia multiplataforma com transmissões na televisão por: canal aberto (Band), canal fechado (SporTV). E pela internet, no Youtube (Desimpedidos) e na plataforma de streaming (Mycujoo).

Portanto é possível notar diversas transmissões de campeonatos migrando da televisão para a internet, e até os próprios canais televisivos já montando suas próprias plataformas de streaming.

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Na Alemanha uma pesquisa feita por firmas renomadas como: TNS e Deloitte em 2018 com pouco mais de seis mil fãs de futebol que responderam um questionário, e os resultados analisados pela DFL (Liga Alemã de Futebol) mostram que os jovens (GenY e GenZ) consomem o conteúdo do Campeonato Alemão muito mais por aplicativos do que pela TV, como é o caso dos “ baby boomers “ e da “GenX”. Por outro lado, a “GenZ”, segundo a pesquisa, gosta mais de um individualismo ao assistir uma partida, quer o conteúdo por mídia e estão dispostos a pagar para ter essa experiência.

O termo “segunda tela” cada vez mais usado ao se falar sobre transmissões ao vivo de futebol, se trata do consumidor da transmissão, assistir ao jogo em uma tela, muitas vezes na televisão, enquanto está com o celular nas mãos usando essa segunda tela para obter outras informações e consumir outros conteúdos.

Gráfico sobre segunda tela em pesquisa feita na Alemanha. Fonte: DFL

Com o futuro incerto para a televisão, Eric Messa, gestor do núcleo de inovação em Mídia Digital da FAAP/SP.

“A minha hipótese é que a televisão vai se transformar em uma plataforma, nós não vamos conseguir diferenciar uma Netflix ou Disney Plus, de uma Globo. Hoje ainda é muito diferente, em um lado eu tenho que mudar de site ou de aplicativo, e no outro mudar de canal, ou mudar a entrada da minha televisão. Hoje a gente ainda tem a percepção de coisas isoladas: canal aberto, tv a cabo e plataformas digitais.”

Durante a pandemia em 2020, a Globo decidiu fazer uma retransmissão do jogo da final da Copa do Mundo de 2002 entre Brasil e Alemanha, última vez que o Brasil ganhou uma Copa do Mundo. A Globo fez um ótimo trabalho de propaganda com trailers para incentivar as pessoas a querer assistir aquela partida de novo, incluindo uma narração como se a partida fosse ao vivo, dando contexto e informações para os espectadores. A Globo teve um pico de 21 pontos de IBOPE, equivalente a mais de 4 milhões de pessoas assistindo a uma retransmissão de uma partida que já aconteceu há 18 anos.

https://twitter.com/maurocezar/status/1249550061903785985?s=20

Apesar do futuro da televisão estar incerto até o presente e parecer estar em risco com o crescimento das transmissões pela internet, não dá para ignorar o fato de que a televisão ainda é uma plataforma com muita relevância no ambiente futebolístico.

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Gabriel Ruggiero
A disputa das redes nas telas

Jornalista esportivo e amante de competição. Contato via Twitter: @gabriel_rugg