A respeito da falta de luz

Igor Natusch
A Época Folhetinesca
2 min readSep 16, 2017
Foto: be OH be / Flickr

Quando eu era pequeno, bem bem pequeno mesmo, sentia um fascínio todo especial pelas noites em que faltava luz. Era um acontecimento relativamente comum, não tão frequente a ponto de ser rotineiro, nem tão raro a ponto de ser assustador. Fascínio feito de medo e insegurança, ao mesmo tempo que estimulado pelo inesperado e desconhecido. Andar na casa negra como a noite verdadeira, tentando reconhecer caminhos muito conhecidos então transformados em trilha de puro desafio. Abrir os olhos, bem bem abertos, tentando capturar a pouca luz do ambiente, começar a distinguir os contornos, os padrões, as nuances. Deitar na cama e contemplar, a partir da janela escancarada, a luz das estrelas ou os raios a criar instantes em meio ao cinza escuro, pesado de chuva.

Eu era muito novo, tinha uma vida simples e tranquila, quase ausente de desafios. E aqueles momentos desorientados em que não havia energia elétrica em casa tinham um sabor de estranheza quase bem-vindo: eram um lembrete de que o mundo não estava realmente sob controle, que havia surpresa em todos os cantos, que o inesperado estava sempre por perto esperando a hora de ocorrer. Faltava luz e eu fica chateado e feliz ao mesmo tempo — porque era momento para alguns pequenos desafios, pequenas situações de insegurança, breve instantes de sentir-se cego diante do mundo. Lembretes da insegurança maior que (e eu já bem o sabia) breve haveria de cair sobre mim.

Hoje sou mais velho, um pouco mais sábio, conhecedor de uma quantidade bem mais significativa das coisas do mundo. Mas ainda falta luz, de vez em quando. E eu ainda sinto aquele breve momento de excitada surpresa, ainda saboreio (mais consciente, mas não menos fascinado) o prazer do olhar que aos poucos encontra as formas na escuridão antes total. Hoje sei que existem desafios muito maiores do que andar por um corredor escuro, que há muito mais incerteza e medo e cegueira no mundo do que eu sequer podia conceber quando criança. Mas a sabedoria não deve eliminar o fascínio, do mesmo modo que a escuridão do caminho não nos tira a ânsia de ver e a vontade de caminhar. Não tenho, como antes não tinha, medo do escuro; ainda abro bem os olhos diante da escuridão. E ainda dou um passo à frente, mesmo que cuidadoso, mesmo sem ter certeza de onde vou pisar. Se falta a luz, há que se ir atrás dela, não é mesmo?

13 de agosto de 2013

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Igor Natusch
A Época Folhetinesca

Jornalista. Ser humano. Testemunha ocular do fim do mundo.