Chove?

Leandro Demori
A Grande Guerra
Published in
3 min readMar 16, 2015
O presidente Fernando Collor, durante viagem em um caça F-5.
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Eu estava na Sicília na noite do protesto que levou brasileiros ao teto do Congresso Nacional em junho de 2013. Enquanto tentava, de longe, entender o que estava acontecendo, vi Pablo Capilé e Bruno Torturra, da Mídia Ninja, se tornarem os caras a serem ouvidos naquele movimento que parecia não ter cabeças. Pablo e Bruno ocuparam as cadeiras ao centro do Roda Viva na primeira semana de agosto quando já estavam sendo soterrados por críticas brutais à Casa Fora do Eixo, sua organização, acusada de ligação estreita ao establishment político. Os dias seguintes à entrevista foram impiedosos: Capilé foi atacado publicamente até ser emparedado em uma espécie de limbo político; talvez assustado, Torturra se afastou da Mídia Ninja, e junho de 2013 terminou sem produzir líderes.

É possível que os protestos de hoje também não produzam líderes, mas a diferença das marchas atuais para as de 2013 não está nos grupos organizados, mas fora deles. Pela manhã, muito mais cedo do que a hora marcada, pessoas tomaram as ruas de várias cidades. É difícil — eu acho impossível — classificar tanta gente. São tucanos? São golpistas? São desinformados? São ricos? Vendo pela TV, parecem mesmo ser o que seus críticos consideram “a classe média”, com uma boa dose de culpa. Egoístas, racistas, individualistas, dizem. O medo é que consigam derrubar Dilma, afinal, esses mesmos caras-pintadas derrubaram Collor. Parece um jogo claro de mocinhos contra bandidos, mas a fotografia das ruas é mais complexa do que esse enredo de bang bang italiano.

Um furgão preto estacionando em uma das alamedas de São Paulo carrega um telão de boa definição que exibe imagens patriotas enquanto uma corneta de som toca o hino das forças armadas. A pequena aglomeração parece acanhada e triste. Alguém embarcaria naquele furgão rumo a outro golpe militar? Improvável. Mas se os motivos para os protestos forem opacos, se cabeças não surgirem para iluminar o caminho, um furgão com um telão de led sempre parecerá uma uma luz na escuridão.

Em outro canto, policiais mostram às câmeras mochilas com rojões e um soco inglês. Vários homens e algumas mulheres são apreendidos. Eles vestem camisetas pretas com dizeres em branco: Carecas do Subúrbio. Uma ideia tão desastrada quanto aparecer nu em um baile de máscaras. Antes de serem detidos, eles formavam um grupo que caminhava pela massa de manifestantes como se fosse uma cárie. A Polícia precisou escoltá-los para evitar que fossem linchados.

Os Carecas podem entrar como atores políticos depois de hoje.

A imprensa tem um papel importante de controle em dias como hoje. Ela não faz parte dos atos, mas constrói o futuro imediato depois deles. Os filtros que os jornalistas representam são as garantias de que nenhum grupo conclamará uma guerra campal, seja por um telão de led, seja pela explosão de rojões.

Na janela de seu apartamento em Ipanema está Aécio Neves em seu mundo confuso e solitário. A solidão que adoenta Aécio também adoenta Dilma, trancada em Brasília. As multidões não produzem líderes, e os líderes que estão postos não movem as multidões.

No final do dia, bombas de fumaça no Congresso dispersavam manifestantes enquanto dois ministros faziam pronunciamentos públicos. “O Governo está atento”, disse um deles, como se lançasse um alerta de estado de atenção em um dia de chuva. Grupos de pressão ainda pedem o impeachment da presidente. Ninguém sabe se vai parar de chover.

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