“O Bom Dinossauro” (2015): quanto vale um caminho sem destino?

Leo Noboru Lima
A janela muda
Published in
3 min readMar 20, 2019
realmente um tipo muito perverso de desperdício

Texto originalmente escrito em 9 de janeiro de 2016.

Eu não gosto de dizer que um filme “desmorona no terceiro ato”, porque a única maneira disso acontecer é se as sementes para um desenlace satisfatório não tiverem sido plantadas nos primeiros dois atos. Tomemos O Bom Dinossauro; trata-se de um exemplo didático de roteiro que parece ficar sem gás bem na hora em que dá cara de estar prestes a acelerar, mas eu não poderia efetivamente dizer que há uma linha clara entre o terço do meio e o terço final, e que cruzá-la é o que faz o filme ir de bom a menos bom. O Bom Dinossauro acaba sendo decepcionante porque o final revela suas fragilidades, não porque as concentra. O esquisito disso, e de qualquer filme que supostamente “desmorona” na hora da verdade, é que o divertimento oferecido pelo caminho não é negado, o que torna difícil aferir o valor do filme como um todo.

No caso deste filme, a dificuldade vem do quão excêntrica e inesperadamente encantadora é a primeira hora e pouco. O que O Bom Dinossauro não tem de originalidade no campo da história é compensado em praticamente todos os outros campos, a começar pela decisão engenhosa de justapor designs de personagem lisos e cartunescos a vistas estarrecedoramente fotorrealistas (já falo mais destas). Se o sucesso de Divertida Mente inspirou alguma desconfiança retaliativa de que a Pixar pudesse estar se acomodando em um “padrão da casa”, este filme são eles provando que estão perfeitamente dispostos a sacudir as coisas de vez em quando: o enredo é enxuto e episódico, a construção de mundo em geral larga mão da lógica em prol da imaginação, a violência é retratada de forma tão prosaica que chega a dar susto, o tom vai pra lá e pra cá. Os pontos altos são sequências em que o domínio das leis da dramaturgia clássica, marca registrada da Pixar, é defenestrado em favor da bizarrice completa, incluindo um trecho de 20 minutos em que o filme momentaneamente voa alto graças à presença de tiranossauros amigáveis.

Mas gente do céu, o terceiro ato. Faz até sentido que um filme elevado pelo seu desapego ao bom senso dramático acabe por não saber o que fazer consigo mesmo, mas não deixa de ser decepcionante ver os cineastas balançarem e balançarem com aparente confiança para então oferecerem praticamente nada em substituição ao que estão descartando. Durante a maioria do filme, eu não dei a mínima para o fato de a trama ser derivativa, mas o encerramento de O Bom Dinossauro não é tão somente derivativo; é um xerox, ou melhor dizendo cinco ou seis xeroxes mal-costurados de filmes infantis conhecidos. É um final que nos pede para sentir coisas, apreciar a delicadeza épica de uma história elemental trazida à sua conclusão inexorável, mas tudo o que eu pude sentir foi que o meu investimento na jornada dos personagens tinha sido em vão, o que me fez perceber que não tinha existido lá muita jornada em primeiro lugar. Eu me sinto tentado a dizer que o filme teria sido melhor se Sohn e cia. tivessem resistido à tentação de fazer do filme uma coisona épica arrebatadora de última hora, mas a verdade é que eles tinham que fazer alguma coisa do filme, e não estavam se encaminhando para mais nada.

Eis a natureza do meu dilema. A mediocridade do final subtrai da força do filme como uma peça artística coesa, mas eu não sei se ela subtrai do prazer simples e inesperado que eu tive vendo a Pixar se comportar mal por quase uma hora. O que eu sei é que… eu não sei nem do que chamar, o design de set? O CGI? A renderização? Qualquer que seja o departamento responsável por todos aqueles cenários maravilhosos, ele conseguiu sozinho salvar esse filme do ostracismo futuro. A simulação de ambientes é tão boa que eu não tenho palavras para expressar minha resposta subjetiva a ela, e eu nem vou tentar analisá-la objetivamente porque minhas observações amadorescas não teriam como fazer jus ao quão fodido de lindo é esse filme.

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