Bem comportados, piores humanos?

Marcelo Veras
a nuvem
Published in
2 min readSep 1, 2019

O cérebro não tem sentido

Qual a grande questão em tentar equacionar o comportamento humano pelo real do cérebro. É nos desenvolvimentos da última década do ensino de Lacan que encontramos a fórmula definitiva do real: enquanto estivermos no campo do sentido, estamos fora do real. O real é sem sentido, ou melhor, como ele diz no Seminário 22, o sentido é o Outro do real. A ciência pode fazer coisas magníficas para conservar e, mesmo, aperfeiçoar o cérebro. Formidável, é o que eu mais quero. Não gostaria de envelhecer com Alzheimer. Nada contra envelhecer o corpo, tenho plena consciência que não “sou” esse corpo, apenas o tenho. Sobretudo agora que estou mais perto da senilidade do que do despertar da primavera. Retomo assim a grande questão, o cérebro não produz discurso, no máximo comportamentos. Mas não somos seres reduzidos à comportamentos, o que não quer dizer que não os tenhamos. Sem dúvidas, temos comportamentos determinados geneticamente em muitos momentos de nosso cotidiano, mas o discurso é o encontro do real de um corpo com uma experiência singular, sempre individual, de um gozo que ultrapassa o comportamento. É esse modo como cada um goza de seu inconsciente, apoiado na materialidade cerebral evidentemente, que nos faz seres distintos dos demais animais. Desse modo, chegamos a grande constatação dos tempos atuais, podemos melhorar enormemente nossa faculdades cerebrais, e piorar enormemente nossa qualidade de seres humanos.

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