EP05 — Marcas
O barulho da batida não assustou Gustavo. A nuca sangrando e duas costelas quebradas também não.
Gustavo estava diante de seu passado. Sim, lembrava-se de toda a sua trajetória, como em um transe. Os tempos de escola não foram nada fáceis para ele. Desde cedo, seu pai dizia que ser professor era uma vergonha para a família e que um trabalho de verdade estava dentro de um escritório de advocacia. Perdeu-se a conta de quantas vezes discutiu isso. Perdeu-se a conta das vezes que chorou dizendo que lecionar era a única coisa que o motivava a viver. São marcas que doem até hoje.
— Ai, agora não — Gustavo descobriu que seu braço esquerdo estava quebrado quando a dor não cessou.
Resquícios da chuva escorriam pela lataria do Corsa 98 e atingiam Gustavo. Os olhos pesavam e a cabeça rodava. O carro estava aos cacos e ainda não era dia. Oscilando entre transes e a realidade, Gustavo chamou por Ana, mas só recebeu o silêncio e o cheiro de pneu queimado como resposta. Tentou virar a cabeça para ver se Ana estava bem, mas doía, como doía.
Uma, duas piscadas. O dia amanhecera junto com o silêncio.
— Luiza está a caminho — repetia Gustavo — Luiza está a caminho.
Os olhos ardiam pela fuligem e o sangue quente escorrendo pela nuca estava fazendo o professor adormecer. Antes de desabar completamente, luzes vermelhas e um forte barulho de sirene se aproximavam. Eram sete horas da manhã.
— Luiza está a caminho.
Oficina é um projeto constituído por oito escritores, que não realizam apenas troca de conhecimentos na área literária, mas também propõem contar uma história de forma compartilhada, ou seja, construir juntos uma mesma história, cada qual continuando-a em sua narrativa, assim sem previsão de como pode ser o final.
O texto que você acabou de ler faz parte da primeira temporada “Onde Tudo Começa”, que terá 8 episódios publicados toda Segunda e Quinta-feira.
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