EP08 — Reviravolta

Jéssica Suguyama
A Oficina
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8 min readNov 22, 2018

Gustavo viu ali o que gostaria de ter e sentiu remorso de todo o seu plano, foi um looping de pensamentos. Imaginou o que poderia ter acontecido se as coisas fossem diferentes, pensou em Ana e Luíza. Por um momento pareceu caber uma eternidade, mas foram apenas segundos em que tudo parecia estar paralisado. Gustavo não esperava ver o que viu, sentir o que sentiu e muito menos a atitude de Laura, a esposa de Pedro.

— Claro! — disse Gustavo já fora do carro, estendendo a mão para Laura que dos olhos marejados de raiva, sorriu para o rapaz.

Mesmo com raiva Laura tinha serenidade no olhar e isso trazia Ana cada vez mais perto dos pensamentos de Gustavo.

— Você é um anjo, poderia segurá-la para mim? Preciso guardar a cadeira dela no porta malas — Gustavo retribuiu o sorriso e respondeu — Tudo bem!

Enquanto a moça fechava a cadeira Gustavo perguntou — Desculpa, mas não pude deixar de notar a discussão, está tudo bem?

Laura que estava fechando a cadeira, parou, olhou para ele — Olha nem sei como te dizer, mas o meu marido parece não se importar, nunca está presente, tanto que a ausência dele… Parece nos machucar dia após dia.

Gustavo inclinou a cabeça e tentou não imaginar o que a moça passou por todos esses tempos, tentou não voltar atrás e seguir com o plano.

— Eu imagino como seja, sei bem como o Pedro é! — o olhar da mulher entregava o quanto ela ficou surpresa com as palavras de Gustavo e questionou — Você o conhece? — Gustavo assentiu com a cabeça.

— Conheço, a propósito vim na intenção de encontrá-lo, mas já vi que ele não está… — Laura fez um olhar de reprovação.

— Pedro só enxerga o hospital na frente dele… Me desculpa por ele te fazer esperar.

Gustavo sorriu e com suavidade e respondeu— Tudo bem!

O controle do carro parecia não querer funcionar e Gustavo sabia muito bem o porquê, pois na madrugada que antecedia aquele dia, rompeu os ligamentos elétricos do carro para impedir uma suposta fuga

— Se importaria se eu levasse vocês? O meu carro está ali na frente … Constrangida, Laura respondeu — Não sei como te agradecer! — Gustavo olhou para as duas e completou — Não precisa!

Já a caminho do hospital a moça perguntou — Qual o seu nome mesmo?
Sem pensar ele respondeu — Gustavo. Acredito que o seu deva ser Laura, certo? — A moça sorriu e confirmou.

— Sim… Gustavo, você conhece o Pedro a muito tempo?

— Acredito que por um considerável tempo, estudamos juntos…

— Pedro não me fala dos amigos, não conheço os amigos dele…

— Você sabe o quanto ele é reservado, não é?

— Talvez não seja uma questão de ser reservado, parte de mim acredita que ele tem vergonha de nós!

A filha do casal estava no banco de trás e naquele momento Gustavo a observou pelo retrovisor e perguntou — Quantos anos ela tem?

— Juliana tem 10 anos, você tem filhos?

— Não sei dizer, eu teria, mas a mãe dela e eu sofremos um acidente, fui o único que sobrevivi…

— Nossa, me desculpa!

— Tá tudo bem, já passou! Juliana não é muito comunicativa né?

— Não, eu venho tentando, mas contar apenas com a ajuda da mãe do Pedro não tem muito resultado se ele como pai nunca está presente.

— Agora sou eu que lhe devo desculpas…

— Acredite, está tudo bem, já foi pior!

O Hospital não era tão próximo o que fez o caminho proporcionar um diálogo onde Gustavo se viu envolvido ao ouvir os desabafos de Laura e concluiu que Laura não foi cúmplice, ela estava mais para mais uma vítima de Pedro tanto quanto ele.

Gustavo estava com receio de acompanhar Laura e Juliana até a área de fisioterapia no hospital, ele não sabia se algo havia mudado, se permaneciam ali as mesmas pessoas — Quer entrar? Posso te levar até a sala do Pedro! — mas a pergunta de Laura fez Gustavo mudar de ideia, seria um risco, mas ao mesmo tempo tornava o alvo mais próximo.

Ainda no carro antes de sair Gustavo tirou do porta luvas uma pasta, e seguiu ajudando Laura com Juliana. Laura levou sua filha e acompanhou Gustavo conforme prometido. Pelos corredores do hospital o rapaz se espantava com o que via, talvez fosse sorte, ele não parecia conhecer ninguém ali e também ninguém o reconheceu, mas a aparência do hospital não parecia das melhores também, talvez as coisas não estivessem indo bem financeiramente.

Laura foi entrando na sala sem ao menos bater na porta e o inesperado foi visto: Pedro foi duplamente pego de surpresa e nas piores condições. Suas roupas e as de Ângela, mulher que Gustavo conhecia muito bem, estavam espalhadas pelo escritório. Naquela situação Gustavo já não queria mais nada de Laura, muito menos de Juliana, só queria poder livrá-las de tal constrangimento.

Pedro tentava se cobrir enquanto Laura gritava ainda com a porta aberta — SEU CRETINO, O QUE VOCÊ ACHA QUE TÁ FAZENDO? — Laura estava fora de si, tentava partir para cima dos dois, mas Gustavo a segurava.

Funcionários e pacientes começaram se aglomerar na porta. O hospital parecia com tudo naquele momento, menos com um hospital.

Ainda segurando Laura, Gustavo disse — Eu esperei tanto por esse momento, mas não imaginava encontrar um moleque no meio de um fetiche doentio com a invejosa!

— Gu…Gus.. Gustavo? — Disse Pedro com o semblante apavorado.

— É sou eu! — Respondeu enquanto olhava fixamente com desdém.

Ângela, não sabia como reagir a toda aquela situação, mas sabia o que estava acontecendo, era cúmplice, a amiga invejosa de Ana.

— Não vai falar nada Ângela? — questionou Gustavo.

— Eu não sei do que você está falando, nem te conheço! — respondeu recolhendo as roupas e caminhando até a porta.

— Não, você não vai a lugar nenhum! — falou Gustavo fechando a porta.

Ângela recuou e se escondeu atrás de Pedro, o seu olhar carregava medo, mas apesar de tudo não mostrava nenhum arrependimento, pois estar com Pedro só reforçava o quão baixa e sonsa era.

— Como pode voltar dos mortos para dar lição de moral? — falou Pedro com um tom de deboche.

Naquele momento Laura olhou para Gustavo sem entender e se afastou. Não conhecia Gustavo, se perguntava como ele conhecia Ângela, e quem de fato ele era.

— O que você quer? — indagou Pedro querendo se impor perante a situação.

— Você sabe muito bem o que eu quero, na verdade o que eu queria!

— Vingança? — respondeu Pedro gargalhando.

— Era, até comecei — respondeu Gustavo arremessando uma chave no peito de Pedro.

— O que significa isso? — perguntou observando a chave.

— O velho! Encontre ele, só não garanto que estará inteiro!

Pedro carregava raiva no olhar, mas não ousava se aproximar do ex-amigo.

— Eu estudei tanto nesses quinze anos, tinha um plano para chegar em cada um, só não imaginava encontrar vocês dois de uma só vez!

— E o que você vai fazer? — perguntou Ângela.

— Eu ia matar todos vocês, como fizeram com a minha família!

— Ué, não vai mais? — disse Ângela gargalhando.

— Ele é frouxo! — completou Pedro.

— Não sou frouxo, sou humano diferente de vocês. Só quero justiça!

Laura se sentia cada vez mais perdida naquela situação — O que está acontecendo aqui? Alguém me explica! — Laura tremia e chorava.

— Sabe o que é Laura, dentro dessa pasta tem um dossiê, todas as provas! — respondeu Gustavo.

— Que provas? — devolveu Pedro.

— Provas de que foi você quem levou o meu carro para ser sabotado, que o velho falsificou uma procuração em meu nome te dando ações do hospital e a diretoria na minha ausência. Aqui tem a foto do seu veículo Ângela, ele estava na hora e no local do acidente. Você teve a audácia de nos seguir só pra conferir o plano de vocês! — Gustavo dizia arremessando todos os papeis contra eles.

Pedro e Ângela liam e rasgavam — Vocês achavam mesmo que quinze anos depois eu apareceria aqui e tudo terminaria com papeis rasgados? Existem cópias!

Laura pegou algumas das folhas que estavam no chão procurando entender.
— Vocês falsificaram documentos, armaram um acidente e tudo isso para terem a direção de um hospital? Valeu a pena? — questionava Laura com tristeza no olhar.

— Pedro, eu tenho nojo de você. Você nunca foi o cara mais justo, mas essa eu não esperava — disse Laura olhando nos olhos de Pedro que não demonstrava nenhum remorso

— Você não sabe da missa a metade — completou Gustavo.

— Eu quero ir embora, não aguento mais ficar no mesmo ambiente que esses dois!

Gustavo olhava para Laura e via o quanto ela havia sido enganada também, entendia tudo o que ela estava passando e já imaginava o que também estava por vir.

— Qual é a próxima surpresa? — debochou Ângela.

— Não tem surpresas, essa não é uma brincadeira… Por um momento eu quis vingança sim, mas agora só quero justiça! — retrucou Gustavo.

Gustavo olhou para Laura e disse — Se quiser eu te levo embora!

— SE AFASTA DELA! — gritou Pedro.

— Quem é você? — Laura disse olhando para Pedro — Eu não sei quem é você, muito menos do que é capaz. Você nunca mais vai me ver! — completou.

Laura deixou a sala junto com Gustavo, Pedro e Ângela permaneceram lá, ainda estavam em choque tentando digerir todas as informações. Se quisessem fugir já não haveria mais tempo.

— E o que vai acontecer agora? — perguntou Laura.

— Agora eu vou te levar para a sua casa e pedir que seja forte, Pedro nunca mais vai voltar — Laura secava as lágrimas — Eu já esperava!

— Acredito que daqui dois minutos a polícia vai chegar aqui, e eu não quero que a sua filha veja o pai ser preso, então vamos logo…

— Você ligou para a polícia?

— Não precisei — respondeu Gustavo olhando no celular — Nesses quinze anos juntei pista por pista, confesso que não estive sozinho resolvendo tudo isso então alguém já ligou lá por mim!

— Hoje, mais cedo quando eu te disse que não saberia como te agradecer, não imaginaria que ainda viria mais…Acho que nunca alguém me abriu os olhos dessa forma como você fez!

Laura tinha ternura no olhar e isso fazia Gustavo lembrar de Ana. Ela se aproximou de Gustavo e o abraçou — Obrigada! — sussurrou.

Naquela tarde Gustavo que nunca fez questão da diretoria do hospital, agora fazia menos ainda. Ser médico também não fazia mais parte das suas futuras escolhas, talvez ser professor fosse de fato a sua vocação.

O velho tinha razão, nada do que ele fizesse traria a família de volta, mas o velho não sabia a paz que lhe proporcionava saber que todos eles estavam pagando pelo o que fizeram.

Depois de todo o ocorrido apenas dirigiu até o local do acidente e levou flores, procurou conforto tirando a foto que carregava no bolso, era Ana e ele semanas antes de tudo acontecer. A foto ficou ali na estrada ao lado das flores e Gustavo seguiu caminho, procurou viver um dia de cada vez por elas; Ana e Luíza.

Oficina é um projeto constituído por oito escritores, que não realizam apenas troca de conhecimentos na área literária, mas também propõem contar uma história de forma compartilhada, ou seja, construir juntos uma mesma história, cada qual continuando-a em sua narrativa, assim sem previsão de como pode ser o final.

O texto que você acabou de ler foi o último episódio da primeira temporada “Onde Tudo Começa”, que teve 8 episódios publicados toda Segunda e Quinta-feira.

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Leia o episódio anterior:

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Jéssica Suguyama
A Oficina

Uma paulistana de fabrica mineira, uai sô. Profª de Artes e escritora nas horas vagas.