EP01 — Essa história não tem uma mocinha

Marcela Costa
A Oficina
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5 min readApr 7, 2019

Relaxei meus ombros antes de mais um dia de trabalho com turistas animados, caras babacas achando que podem dizer o que pensam sobre mim em voz alta, mulheres reclamando do vento — porque diabos alguém vem para a praia se não quer se sujar? — e crianças choronas às 7:30 da manhã para conhecer mais uma praia nesse lugar que, no começo, era tão refrescante, e agora após um ano, já não era mais o paraíso que eu precisava.

Na verdade, esse lugar se tornou mais um inferno após meu chefe descobrir que eu estive na prisão por 5 anos. Pelo que parece, na cabeça machista e ortodoxa dele, mulher não pode, nem deve ir para a prisão porque: “Somos descendentes de Eva e não podemos errar como ela errou.

Na primeira vez que o ouvi dizer isso eu juro que chorei de rir bem na frente dele e, por pouco, ele não me demitiu após as descobertas e risadas, mas eu preferia que ele tivesse me chutado para fora daquele lugar, pois agora, além dele me obrigar a orar todos os dias antes de trabalhar — nada contra religião, só não é minha praia — Humberto faz questão de fazer minha vida um inferno e me relembrar todos os dias dos “meus” erros e pecados.

No começo acreditei que depois de sair da prisão eu não teria que pagar pelo sangue em minhas mãos. Claro, consequências teriam, mas não imaginei que o caos se alastraria em minha vida após ter sido solidária — leia-se obrigada — a ajudar meu meio-irmão.

Primeiro, meu pai e sua mulher decidiram entre eles, que eu deveria ir presa no lugar do meu meio-irmão, já que o “coitado” só tinha 18 anos quando atropelou um grupo de pessoas que atravessavam a rua e fugiu. E eu, aos meus 21 anos, poderia arcar com as consequências por ser mais velha e era meu dever proteger e cuidar dele.

Claro, pensei na época, pois ele e vocês sempre cuidaram de mim. E ironicamente, era isso que se passava na cabeça deles.

Foi num sábado à noite, na mesma semana do acidente, enquanto eu não sabia de nada que estava para acontecer, que fui pedida em casamento pelo meu namorado, o primeiro de toda minha vida.

Passava das oito horas da noite após um jantar maravilhoso, a luz do luar no quintal da casa dele — que já era praticamente nossa — quando o vi se ajoelhar e em meio a risadas seguidas de lágrimas de felicidade, pedindo para eu ser a mãe dos filhos dele, e vivermos a vida que desde o começo sonhamos em ter, apenas eu e ele.

Junto a minha reação cheia de lágrimas, vários gritos histéricos de felicidade e ele colocar o anel no meu dedo, vi aquele bando de policiais adentrando a casa junto aos meus pais de forma drástica. Naquele momento eu sabia que nada terminaria bem na noite que deveria ser o começo de um sonho se tornando realidade.

No dia seguinte do ocorrido fui indiciada há cinco anos de prisão e meus pais foram me ver na prisão para explicar o plano “perfeito” deles. Eu, aos prantos, os xingava de tudo que era nome e ele só pediam desculpas e gritavam por cima do meu ódio algo sobre deixar 8 mil reais. Não entendi na época, mas depois daquele encontro, eu percebi que, para eles, eu era apenas uma jogada certa para salvar o erro do filho preferido deles, no qual sequer deu as caras para agradecer a vida que eu estava jogando fora pela dele.

Mas do homem dos meus sonhos eu não esperava. Daquele cara que eu iria me casar não havia nenhuma ligação, nenhuma visita, carta ou sinal de fumaça. Tive esperança até o ultimo dia, mas nada.

Não poderia acreditar que ele, entre todas as pessoas, não iria acreditar em mim, ou ao menos me deixar explicar de alguma forma o furacão que passou e se alastrou na minha vida em questão de minutos. Eu estava com ele, de corpo, alma, coração. Ele era minha alma gêmea, e apesar de tudo, ele deveria ficar comigo, certo?

Além dos meus pais e o cara que eu amava cortarem relação comigo, minhas amigas e conhecidas me visitaram poucas vezes antes de começarem a arrumar desculpas para não aparecerem mais e eu pude ter certeza que o que dizem nos filmes de socialite era verdade. Não havia uma alma sequer verdadeiramente ao meu lado. E infelizmente, a única parte real da minha vida, pelo visto, também era uma mentira.

No dia que sai daquele inferno me lembro de como esperava encontrá-lo ali fora, explicando alguma teoria louca por não ter ido me ver todos esses anos, mas tudo que me esperava era uma carta dos meus pais e oito mil reais junto:

“Tenha uma boa vida. Obrigada por ajudar seu irmão! Te amamos mas não podemos lidar com uma filha que saiu da cadeia, quem sabe algum dia depois de muito tempo a gente se encontre, com amor papai e sua madrasta, Hanna. Seu irmão também agradece.”

Ele não é meu irmão — lembro-me que sussurrei ao terminar de ler a carta.

Após amassar aquela carta dentro da minha bolsa, lembro que ao pegar meus pertences, havia um anel. O anel do noivado. Ele era brilhante, com uma pedra rosada e dentro da aliança havia nossos nomes.

Pedro e Julieta.

Parece que eu tinha certeza que ele era meu Romeu, eu não era sua Julieta.

Clichê.

Anos depois, virei uma outra pessoa, literalmente. Troquei meu nome e sobrenome, agora sendo conhecida como Katarina Monteiro, pintei meus cabelos de loiros e fui morar na Bahia, mas apesar de tudo, continuo lidando com as consequências dos erros de uma outra pessoa. Tudo mudou, mas ao mesmo tempo, parece que nada muda.

— Você pode sair da frente, por favor? está atrapalhando a passagem — disse uma voz pesada e grossa atrás de mim.

— Eu estou resolvendo a entrada de vocês, turistas — quando me virei com nenhuma paciência, não esperava ter olhos castanhos tão conhecidos reconhecendo os meus cinza escurecidos.

Oficina é um projeto constituído por escritores, que não realizam apenas troca de conhecimentos na área literária, mas também propõem contar uma história de forma compartilhada, ou seja, construir juntos uma mesma história, cada qual continuando-a em sua narrativa, assim sem previsão de como pode ser o final.

O texto que você acabou de ler faz parte da terceira temporada “O Retorno de Katarina, que terá 11 episódios publicados todo domingo.

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Leia nossa segunda temporada completa de “Delito Perfeitoaqui! Sugestão de leitura:

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Marcela Costa
A Oficina

Apenas uma garota tentando encontrar o sentido da vida entre as palavras que escreve ♡ | Go through what you go through ♡