EP06 — Memórias de uma dona de cartel

Jéssica Suguyama
A Oficina
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4 min readMay 12, 2019
Photo by kevin laminto on Unsplash

Era difícil admitir, mas a partida dele me partia profundamente, dormir se tornou uma tarefa difícil, não apenas pelas dores, mas porque o que eu mais temia estava acontecendo. Novamente me vi sozinha e dessa vez eu estava com medo por estar sozinha.

Juan correu em minha direção, seus olhos amedrontados queriam dizer mais do que a própria voz. De uma coisa eu tinha certeza, ele estava em pânico e não era por me ver no estado em que eu estava, a coisa parecia mais séria. A garrafa de Whisky barato foi ao chão, nunca na vida alguém tinha me abraçado tão forte e só após ver o carro entendi que Juan estava tentando me livrar da morte.

O impacto do carro me fez perder o ar, fechei os olhos esperando pelo pior, mas quando abri estava naquele mesmo quarto e não, eu não estava perdendo o ar, ele estava sendo roubado.

Eu nunca havia visto aquele rosto antes, parecia um moleque, tipo esses surfistas filhinho de papai. Tapava a minha boca enquanto me pedia silêncio, por não saber quem era, assenti.

— Katarina, você não me conhece, mas eu vim trazer notícias do seu irmão — sussurrou o rapaz.

— Você veio me dizer que ele morreu? Porque se for isso, não precisa se dar o trabalho — respondi arqueando a sobrancelha.

Meu coração disparou de medo quando senti um objeto próximo a minha costela, por fora eu estava firme, mas por dentro achei que estava entre a vida e a morte outra vez até que senti o tal objeto vibrar…

— Que? É um celular?

Naquele momento não tinha dor, apenas sangue nos olhos, me levantei tomei o celular da mão dele.

Pedro, cadê você? Já convenceu ela?

— Eu não sei em que confusão vocês meteram o meu irmão, mas você e o Pedro me devem uma vida agora e eu vou atrás de vocês até no inferno!

Logo após desliguei o celular. Pedro tentou me atacar, mas revidei com o suporte do soro, apesar de ter desmaiado o tal rapaz, me arrependi, pois a agulha saiu com tudo da minha veia, assim como o sangue que escorria agora.

Alguns passos vinham do corredor, se era enfermeiras ou o cara do telefone eu não sabia, mas também não queria ficar para descobrir.

Apanhei o celular do chão, que por sorte ainda estava com a tela acesa e sai pela janela, agradeci pela sorte do quarto ficar no primeiro andar e, por fim, me tornei o que eu mais detestava… aquelas fugitivas de filmes de ação que correm pelas marquises de prédios na madrugada com roupa de hospital mostrando os fundinhos.

De marquise em marquise eu me dividia em encontrar algum lugar para descer e manter a tela do celular acesa. Não, não havia beco, muito menos escadas, apenas uma janela aberta e, mesmo que o apartamento não parecesse vazio eu não hesitei em entrar, era isso ou nada.

De imediato não procurei conhecer o local, foquei apenas em tentar descobrir quem era esse tal de Pedro, com quem ele falava e o que fazia.

Precisei apenas de dez minutos para ser movida pelo ódio e vingança, não imaginava que Juan poderia ter sido tão ingênuo. Os três irmãos não tinham uma gangue organizada, eram as próprias mulas tentando passar a perna no cartel, mulas que usaram o meu irmão.

Eu me questionava sobre viver esse pesadelo, sobre o que poderia acontecer comigo.

Minhas costelas doíam, meu coração doía, tudo doía e a dor escorria pelo meu rosto. De tão imensa a dor me distraiu, não ouvi mais nada, não vi nada, quando vi tinha uma arma apontada para mim, pronta para descarregar, minhas lágrimas não me deixavam enxergar o rosto daquele homem.

— Mão na cabeça, agora!

— Seu Toninho?

— Patroa?

Era uma sensação de alivio com uma felicidade esquisita que me desencadeou a chorar inconsolavelmente, Seu Toninho largou a arma e se juntou comigo no chão, dessa vez o abraço era diferente tinha conforto — O quê que te fizeram menina? O quê que te fizeram?

Nunca imaginei o quanto uma madrugada poderia ser longa, contei tudo para o meu mais novo confidente que me dispensou de julgamentos, não que eu confiasse plenamente naquele senhor, confiança é algo que se conquista, mas dadas as circunstancias a minha intuição sobre ele era positiva.

Toninho fez questão de averiguar o celular do tal Pedro e depois de tantos rastros eletrônicos e pesquisas, chegamos a vários nomes e todos estavam ligados a um nome.

Rosa, aquela filha da puta!

Oficina é um projeto constituído por escritores, que não realizam apenas troca de conhecimentos na área literária, mas também propõem contar uma história de forma compartilhada, ou seja, construir juntos uma mesma história, cada qual continuando-a em sua narrativa, assim sem previsão de como pode ser o final.

O texto que você acabou de ler faz parte da terceira temporada “O Retorno de Katarina, que terá 11 episódios publicados todo domingo.

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Leia o episódio anterior:

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Jéssica Suguyama
A Oficina

Uma paulistana de fabrica mineira, uai sô. Profª de Artes e escritora nas horas vagas.