Menos é mais

Matheus Moreira
A Pauta Caiu
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7 min readJan 6, 2017

Modelos falam sobre a rotina profissional e os disturbios alimentares provocados pela pressão para alcançar o corpo perfeito.

Por Sofia Rossas

Uma clara de ovo, uma fruta, dois “mini-pedaços” de frango sem tempero nenhum e salada. Essa era a rotina alimentar de Rhayra Villa, que, aos dezesseis anos, recebeu a notícia de que precisaria esperar seis meses para desfilar na China, desenvolveu anorexia nervosa e perdeu dez quilos em um mês.

A modelo de Uberaba foi notificada pela agência Station Models que estava “perfeita” para desfilar fora do país. Mas como seu cabelo estava um pouco curto, segundo a agência, precisaria esperar. A notícia foi recebida como “Você está gorda”.

A jovem desenvolveu um transtorno alimentar que a fez ficar com apenas quatro por cento de gordura corporal — menos do mínimo recomendado para o funcionamento hormonal de uma mulher adulta.

A modelo de 21 anos se tornou saudável e magra. Ela estuda engenharia química na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), namora, fala abertamente sobre seu passado, mas ainda quer perder um pouco de massa das suas pernas magras. Ela usa o Instagram para contar a sua história e divulgar receitas mais saudáveis que apresentam baixas calorias.

Onde tudo começa

O caso de Rhayra Villa é um exemplo de superação, mas reflete a realidade de muitos profissionais do mundo da moda. Em uma conversa com o psicoterapeuta e consultor em algumas agências de modelo, Marco Tommaso, percebi que há uma imensa pressão sobre as modelos, tanto física, quanto psicológica.

Tommaso explica que entre as razões para tanta pressão, está a falta de empatia que as agências, marcas, bookers — profissionais responsáveis pelo acompanhamento pessoal de uma modelo, cuidando da alimentação, bem estar e agenda de compromissos -, bem como a pouca idade de muitas dessas profissionais, a falta de rotina e também a distância de casa.

Muitas garotas vêm de cidades pequenas, ainda jovens, desacompanhadas e com a ilusão de que poderão viver de fama e glamour expostos nas capas de revistas, sites de moda e nos desfiles.

Ditadura da magreza

Em uma pesquisa realizada com 140 modelos acima de 18 anos, Tommaso constatou que o índice de massa corpórea ia de 16,5 a 18,8, grande parte estava abaixo de 18,5 — valor considerado saudável para a OMS (Organização Mundial de Saúde).

Outro dado que evidencia a preocupação com o corpo e a extrema magreza, é que, nesta pesquisa, todas as garotas disseram que desejavam emagrecer, em média três quilos.

O preço da perfeição

A ansiedade, a depressão e os transtornos alimentares estão entre os transtornos mentais com maior queixa entre as modelos que o psicoterapeuta atende. Segundo Beatriz*, modelo da agência Allure, as profissionais são tratadas como “cabides ambulantes”.

“Não tem uma modelo que não chore. Nós choramos por estar longe de casa, por não conseguir trabalho, por ter que emagrecer de formas desumanas, por não ter dinheiro nem para pegar um ônibus”
Beatriz* — Modelo da Agência Allure

Ela, assim como outras modelos com que conversei, afirmou que no mundo da moda há excesso de automedicação, drogas, chá e pipoca. Entre os principais medicamentos utilizados sem amparo médico, estão calmantes, laxantes e diuréticos, estes que ajudam a perder peso abruptamente e a dormir após um dia de castings negados.

Gabriela Gentil Monteiro, nutricionista no AMBULIM (Programa de transtornos alimentares), no HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), diz que os distúrbios alimentares são os que mais matam no mundo. A lista inclui desnutrição, infecções generalizadas e suicídio.

As modelos dependem do corpo para trabalhar, o que pode gerar preocupação excessiva com a busca pelo “shape perfeito”, custando a própria vida, ou não.

Ao desenvolver bulimia ou anorexia nervosa, uma pessoa cria outra relação com a comida e com a forma como vê o próprio corpo. Tudo isso, costuma aparecer atrelado ao medo, à culpa que é gerada por não emagrecer tanto quanto o desejado e, assim, não atingir a meta de perfeição idealizada, provocando, ainda, compulsões alimentares. É um ciclo vicioso.

Patrícia Navega, psicoterapeuta na Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama (ABPS), ressalta também que os distúrbios alimentares são mais frequentes em mulheres. Isso se agrava com as frequentes brigas entre as modelos que têm dificuldade de se relacionar umas com as outras.

O mercado competitivo as reprime e qualquer manifestação de relacionamento é considerada um risco ao foco e, consequentemente, pode levar a perda de trabalhos.

A guerra começa com um salto propositalmente quebrado ou uma caixa de bombons levados para as repúblicas onde moram algumas modelos, como forma de provocação. A partir daí, elas, em vez de lutarem juntas em um universo tão cruel, tornam-se inimigas mortais e isolam-se no próprio sofrimento.

B. Fonseca*, deixou as passarelas em 2012 e decidiu se dedicar à modelagem comercial e à família. Com 21 anos, casada e um filho, ela revela que, apesar de estar extremamente magra, negou trabalhos por ser induzida à emagrecer cinco quilos em uma semana: “É uma coisa que não faz sentido, sabe? Eles não pensam nem um pouco na nossa saúde física e mental”. Para a modelo , os piores inimigos de quem exerce a profissão são a ansiedade de ser aprovada em um casting, a impaciência, as temidas fitas métricas, as balanças e os espelhos.

Já Vanessa* saiu de Salvador aos dezesseis anos e, após muitos “nãos”, entrou na aclamada agência Joy. Ela diz que ser modelo é uma pressão suportável. Bebe muita água de coco, não come fritura, e não se restringe a ponto de deixar de comer um doce que gosta muito. Entretanto, ela se queixa da imprevisibilidade de sua rotina..

“Eu acordo e tenho que estar no Ipiranga às 13h para um casting, se eu não chegar na Liberdade às 14h15 para o próximo teste, eu já tô fora. Eles não admitem atraso, mesmo sabendo que o transporte público e o trânsito da cidade são caóticos”
Vanessa* — Modelo na Agência Joy

De forma emocionada, ela também fala sobre a saudade de casa, da calma de espírito que a família a proporciona e da pressão que a agência faz para que ela seja “modelo”, também, fora do horário de trabalho.

A imagem nunca pode ser de uma pessoa normal. “Eu preciso estar impecável até para ir ao supermercado.”, Vanessa explica. Contudo, ela está determinada em ser uma das modelos negras mais conceituadas do país, mesmo precisando enfrentar a alta competitividade e os “perrengues” deste universo.

A modelo Laura, saiu da cidade de Patrocínio, no interior de Minas Gerais, para exibir sua beleza renascentista em São Paulo, aos treze anos. A luta para entrar em uma agência foi árdua, pois tinha um corpo “musculoso demais” para o perfil das marcas que procuravam as agências.

“Na moda nunca conseguimos agradar todo mundo, até porque cada marca tem seu estilo de garota, tem a imagem a qual quer passar para a cliente, tem seu público alvo. Cabe a você conseguir se encaixar.”
Laura — modelo

Além de brigar com os pais e sofrer com a frustrante batalha para entrar no mercado, ela emagreceu 11 quilos em um ano e voltou para a cidade natal. Aos dezesseis, tentou a vida em São Paulo novamente e, em um mês, foi convidada para desfilar em Milão, na Itália. “Todos diziam que era a oportunidade da minha vida”. Mas ao chegar na Itália a realidade era outra.

O apartamento sujo, frio e pequeno em sua primeira experiência internacional foi extremamente marcante. Outro golpe do destino, ainda, a aguardava. Faltando um mês para que Laura voltasse para casa, sua agência fechou. Sem dinheiro, trabalho e sozinha, a modelo precisou se virar para voltar para Patrocínio e “amadureceu muito”, conta.

Hoje, um ano mais tarde, com 17 anos , ela revela que a experiência, apesar de cruel, foi extremamente enriquecedora. Ela continua trabalhando como modelo, mas busca outras opções e pretende cursar jornalismo em 2018.

Em nota, a agência Way Model Management, uma das mais conceituadas do mundo, declarou que presta apoio psicológico e nutricional — com o auxílio de médicos especializados — para as modelos, na intenção de que se mantenham saudáveis e estejam prontas para o mercado de trabalho. Entretanto, a empresa não falou em medidas ideais.

A Way Model Management é uma entre tantas agências que catalogam seus modelos a partir da altura, manequim, busto, cintura, quadril e número do sapato no próprio site. Um catálogo virtual cheio de modelos com corpos que são a exceção no “mundo real”. Como ressaltado pelo psicoterapeuta Tommaso, o papel da moda parece transformar a exceção em padrão, divulgando e incentivando muitas pessoas a se encaixar em um padrão maquiado, photoshopado e, muitas vezes, doentio.

Assim, milhares de pessoas começam comprando revistas com receitas light, sem glúten e dietas mágicas e, de repente, quando menos esperam, já estão em grupos pró-ana (Pró-anorexia) e pró-mia (Pró-bulimia), criando uma relação de medo e culpa com a comida, balança, espelho e seu próprio corpo. É o caso da jovem modelo Ana Carolina Reston Macan, que, aos 21 anos, morreu por conta de uma infecção generalizada que foi desencadeada pela debilitação de seu corpo anoréxico de 1,74 e apenas 40 quilos.

A morte de Carol, como era carinhosamente chamada na agência L’Equipe, atingiu o mundo da moda e setores midiáticos começaram a pressionar as agências para que cuidassem da saúde das modelos. A campanha dos veículos de comunicação durou pouco e a notícia não teve fôlego o bastante para fazer do corpo de uma mulher comum modelo a ser adotado.

Ainda hoje, vestir calça 38 é sinônimo de repúdio para jovens modelos que, após saírem de um casting, alimentam-se de salmão e salada, enquanto eu, repórter, saboreio meu risoto altamente calórico no shopping ao lado da faculdade de jornalismo na qual estou matriculada.

* A pedido dos entrevistados, alguns nomes foram alterados.

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Matheus Moreira
A Pauta Caiu

Repórter de Cidades na Folha de S. Paulo, 24 anos.