O manguebeat, 20 anos depois da morte de Chico Science

Matheus Moreira
A Pauta Caiu
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3 min readFeb 10, 2017

Há 20 anos morria Chico Science, um dos artistas precursores do movimento que colocaria o Recife mais uma vez sob os holofotes da música

Caranguejos vivem na lama do mangue, bioma intermediário entre o terrestre e o marinho

A cena musical brasileira conheceu, na década de 1990, a batida que ficou conhecida como manguebeat. É uma mistura do funk com batidas de tambores não elétricos, somados a influência da música eletrônica, punk, maracatu, afoxé e ritmos de matriz afro-brasileira.

O nome do movimento surge da associação de dois fatores. O primeiro deles é a marcante presença de manguezais no Recife. O segundo é a associação do movimento à caranguejos que vivem na lama desse bioma intermediário entre o terrestre e o marinho.

O baixo interesse dos pernambucanos pela cultura local deu espaço ao que se tornaria um dos momentos recifenses “melhor documentado, dentro e fora da academia”, como diz Cristiano Nunes Alves, em seu artigo “Recife, dinâmica urbana e cena manguebeat”, publicado pela Universidade Federal do Paraná, em janeiro de 2016.

Alves realizou cerca de 100 entrevistas com músicos, produtores musicais, pesquisadores e jornalistas durante duas visitas ao Recife em 2011. Sua metodologia previa, como explica no artigo, a realização de visitas técnicas a diversos bairros da capital do estado em busca da percepção sonora das localidades.

Na prática, o pesquisador andava pela cidade para descobrir o que se ouvia durante o período da virada do ano, de 2010 para 2011 e, posteriormente, durante o meio do ano — a baixa temporada.

A influência

A influência da batida para a capital pernambucana, explica Alves, rompeu com preconceitos que sugerem alguma inferioridade musical à música nordestina. Além disso, ressalta, a diversidade de influências e a metáfora do mangue, da união de artistas de bairros com realidades sociais distintas, foi capaz de “oxigenar a autoestima” da região que, hoje, “é conhecida pela sua diversidade cultural”.

O Manguebeat, que surge da associação de pessoas de diferentes experiências de vida recifense, gerou a necessidade dos artistas do movimento de se associarem à produção musical hegemônica das grandes produtoras.

A outra opção, não tão fácil de sustentar financeiramente, era bancar a arte de maneira independente. Para Alves, essa atuação proporcionou a “ebulição da vida cultural do Recife”.

O movimento era visto por seus agentes como uma espécie de cooperativa, cujo produto não era apenas a música, mas também a moda e a arte. “A cena foi institucionalizada”, escreveu Alves. O artigo aponta que a consagração do movimento como patrimônio cultural poderia ter representado, ainda durante a euforia da batida, uma forma de “cooptar ou distorcer o discurso instituinte” e descentralizado.

Hoje, a mistura de ritmos é mais corriqueira e, talvez, corriqueira. Ao misturar músicas de raiz nordestina com o que havia de mais pop na música nacional e estrangeira, Chico Science e Nação Zumbi reiteraram a experimentação como forma de arte.

20 anos da morte de Chico Science

No último dia 2 de fevereiro, a morte de Chico Science — um dos nomes mais influentes do Manguebeat — completou 20 anos. Se estivesse vivo, Francisco de Assis França Caldas Brandão, como foi batizado, completaria 52 anos em março.

Para muitos, inclusive Jon Pareles, do “New York Times”, ele foi o principal motor da batida e da explosão dessa cena recifense no Brasil e no mundo. No seu artigo, publicado no jornal americano, Pareles afirma que, para Chico Science e seus colegas da Nação Zumbi e Mundo Livre S/A, “eles eram como caranguejos correndo na lama [do mangue]”.

O sucesso das letras de Science e melodia e percussão de Nação Zumbi fizeram da união e da batida mundialmente conhecidas. Após o lançamento dos dois discos de Chico Science e Nação Zumbi, “Da lama ao caos” (1994) e “Afrociberdelia” (1996), a banda fez turnês pelos Estados Unidos e pela Europa.

Não fosse a morte de Science em um acidente de carro em 2 de fevereiro de 1997, a banda teria feito sua terceira turnê naquele ano. O jornalista e crítico musical, em artigo publicado no “G1”, analisa o que poderia ter acontecido caso o artista ainda estivesse vivo:

“É provável que Science tivesse iniciado carreira solo nos anos 2000, porque ele era maior do que a Nação Zumbi. Contudo, justiça seja feita, a Nação soube seguir caminho próprio sem Science.” — Mauro Ferreira, Em artigo “Como estaria Chico Science, elétrico ‘mangueboy’ que morreu há 20 anos?” no “G1”

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Matheus Moreira
A Pauta Caiu

Repórter de Cidades na Folha de S. Paulo, 24 anos.