Por que a literatura gótica produz efeito purificador no leitor

Matheus Moreira
A Pauta Caiu
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2 min readDec 22, 2016
Jo Naylor — Flickr / Creative Commons

Histórias como Drácula, Frankenstein e O médico e o monstro podem nos ajudar a manter a saúde mental contrapondo as cobranças morais e sociais.

O folclore e os mitos do pós-morte são combustíveis para as melhores histórias de terror. Autores como Edgar Allan Poe e John Milton já escreveram sobre o poder libertador da ficção de horror. Maria Antonia Lima, doutora em literatura norte-americana e professora da Universidade de Évora, em Portugal, também dedica suas páginas a análise da purificação que a literatura de terror pode proporcionar.

A literatura gótica é aquela que ficcionalmente conta uma história cujo ser e a vida não apresentam qualidades heróicas. Não há prazer em estar vivo senão aquele que surge com a proximidade da morte.

Entre as características marcantes desse estilo literário romanesco está a presença de castelos, paisagens soturnas, e uma tensão constante, além de segredos que provocam a curiosidade do leitor.

Questão explicada por Lima em seu artigo “A vida sem qualidade: o efeito catártico da Literatura Gótica” sob a luz dos acontecimentos narrados em “Drácula”, de Bram Stoker: “Pelo facto de se ter tornado imortal, Drácula perdera as suas qualidades humanas, recuperadas unicamente no instante da morte”.

Como funciona o efeito purificador

Segundo Lima, a literatura gótica traz grande aparato emocional, deixando, em segundo plano, o intelectual, proporcionando experiências que aproximam o leitor dos eventos vivenciados pelas personagens.

A purificação se dá a partir do momento em que o público passa junto com as personagens por situações traumáticas ou perigosas, mantendo-se seguros em vida não-ficcional, ou seja, é como sobreviver a uma experiência de vida ou morte sem correr, de fato, o risco de morrer.

Toda esta vitalidade e energia, que se parece desprender das páginas das histórias de terror, resulta essencialmente do facto de o Gótico desenvolver uma estética baseada na beleza do terror ou no prazer do medo. Este paradoxo justifica-se pelo facto de sabermos que ganhamos força, coragem e confiança por cada experiência em que sejamos capazes de enfrentar realmente o medo, nem que essa seja somente uma experiência de leitura.

Maria Antonia Lima - Doutora em literatura norte-americana

Para a autora, além da explosão de sentimentos provocados pela leitura do que é gótico, há também um retorno ao que se poderia chamar de emoções primordiais. Por meio desse estilo literário seria possível controlar da melhor maneira impulsos e desejos do homem, em especial os “depravados” ou que produzem a “sensação de culpa”.

A explicação que Lima dá para essas sensações se funde tanto à busca do ser quanto ao vazio da vida cotidiana em “épocas em que a tendência materialista se sobrepõe aos valores espirituais, transformando o homem em uma espécie de autômato intelectual”, explica.

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Matheus Moreira
A Pauta Caiu

Repórter de Cidades na Folha de S. Paulo, 24 anos.