Milca Freitas
A perguntinha astuta
2 min readApr 17, 2018

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Ela não sabia o que queria.

Por muito tempo ela acreditou nessa frase e a usava como desculpa para continuar na mesmice. Não que tivesse consciência disso, talvez um pouco, mas era cômodo se deixar levar pela rotina. E o que fazer com aquele desejozinho incômodo que aparece sem mais nem menos? Aquela vontade de percorrer rumos diferentes, fazer da vida aquilo que sempre quis, mas faltou coragem?

Ah, meio complicado!Pensar, refletir, planejar, colocar ação. E se não der certo? E se eu me arrepender depois? E se eu descobrir que não era pra mim?

E se der certo?…

Tal inconveniente pergunta apareceu em sua mente e, por mais que Juliana tentasse apagar, ela insistia em acompanhá-la. O impressionante é que a perguntinha era tão astuta, que conseguia espreitá-la de dentro da geleia de maracujá que Juliana passava na torrada todas as manhãs. Na agenda onde ela escrevia seus compromissos diários. Foi encontrada inclusive dentro de sua caixinha de remédio para enxaqueca. Até MESMO no fio do bigode de seu chefe a safada da perguntinha conseguiu se pendurar.

E quanto mais Juliana fazia esforço para ignorá-la, mais a perguntinha queria ser ouvida. Se seria respondida ou não seriam outros quinhentos, acontece que ela não aguentava mais ficar escondida lá dentro de Juliana sem um propósito, sem ser reconhecida e nem mesmo valorizada. É muito ruim quando alguém subestima nosso potencial, a perguntinha sabia disso e estava disposta a não se deixar ser vencida tão rápido.

Juliana fugia. Desdém não era, desprezo muito menos…

era receio do que a perguntinha poderia causar.

A destruição de um sonho!

Pois toda vez que um sonho é realizado é ao mesmo tempo destruído. E Juliana gostava de sonhar. Era por sonhar demasiadamente, que ela não sabia o que queria. Era por ansiar por completude, que nada acontecia.

Mas a perguntinha estava lá para salvá-la e ela continuaria viva até que outra viesse substituí-la.

Sempre com um admirável e estiloso ponto.

Milca Freitas.

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Milca Freitas
A perguntinha astuta

Psicóloga da UNAERP em convênio com a Defensoria Pública. Atende em clínica particular através da psicanálise Lacaniana.