20 anos do Sobreviventes do IDR

Frank Junior
A Ponte
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7 min readMay 14, 2018

Era o ano de 2008 se não me falha a memória, eu trabalhava numa loja no centro de Caruaru e entra Daniel Finizola (no qual eu já conhecia de longa data, por ter sido meu professor de história no colégio) pra imprimir o release da banda dele, o Sobreviventes do IDR.

Eu disse pro pessoal que trabalhava comigo: “opa, esse job deixa que eu faço”.
Aproveito e pergunto a Daniel onde tem o CD pra vender que eu não encontrava em lugar nenhum, ele me disse que talvez tivesse na Metalmorphose, e que ia conseguir pra mim.
15 dias depois volta Daniel com o CD e a camisa, duas raridades já naquela época, imagina hoje em dia.

O inicio

Sobreviventes do IDR

Em Fevereiro de 1996 acontece uma tragédia em Caruaru, tragédia das grandes, digna de colocar Caruaru nos noticiários do horário nobre da tv Globo. Mais de 100 pacientes foram intoxicados durante uma sessão de hemodiálise no Instituto de Doenças Renais de Caruaru, um monte de paciente morreu e mais de 20 anos depois teve família ainda que não recebeu indenização.

Do outro lado da cidade, nas movimentações noturnas, os jovens da época se encontravam em lugares como o Bar do Rock, que atraía um público formado por músicos, pessoal do teatro, poetas, e entusiastas de arte de maneira geral. Um grupo de jovens tinha acabado de formar um projeto musical ainda sem nome, mas que girava em torno de rock ‘n roll cru (daqueles que só tem baixo, bateria e guitarra) em uma pegada sonora com fortes influências de bandas como Nirvana, Rage Against the Machine e letras mais politizadas que falavam sobre o cotidiano, contexto social em que viviam e protesto.

Já era 1998, e as conversas nas noites de Bar do Rock sempre giravam em torno dos últimos acontecimentos na história da cidade, e um dos assuntos sempre era a tragédia do Instituto de Doenças Renais (IDR) que aconteceu 2 anos antes.

Se inspirando nisso e aproveitando a adesão de letras de protesto em um projeto musical de rock ‘n roll, os amigos Victor Hugo e Daniel Finizola decidiram nomear o projeto como “Sobreviventes do IDR”.

A banda surge exatamente com esse ar de revolta, de protesto, de letras políticas, de rock n roll, de querer gritar pra sociedade através de distorções de guitarra os problemas sociais. E a tragédia do IDR era o mote, era a inspiração, era o motivo principal, era a gota d’água, era o estalo para disparar todos esse gritos.

Apresentações e gravações

Depois de passar por diversas formações, a banda foi se profissionalizando cada vez mais até gravar o primeiro “demo” em 2002 com direito a um vídeo explicando um pouquinho da história da banda até aquele ponto. Esse vídeo pode ser encontrado no youtube para quem quiser ver imagens da época.

Na verdade, houve ainda um outro demo 1 ano antes, em 2001 com a música “Incertezas”.

Primeiro disco demo em 2001, com a faixa “Incertezas” (foto: Emeton Kroll)
Segundo disco demo em 2002, já com 5 faixas (foto: Robson da Paz)

Em 2004, as 5 faixas já gravadas se tornam 10 e vira um disco chamado “Manifesto”, primeiro e único disco gravado do Sobreviventes do IDR.

O Manifesto

A banda passou por diversas apresentações desde o Toyofest em Brejo da Madre de Deus, no qual foi uma das últimas apresentações do baixista Rarysson. Até chegar no Festival Araraquara Rock em SP nos anos de 2007 e 2009 sendo selecionada para tocar no segundo melhor horário do festival diga-se de passagem. Já com disco e vídeo-clipe (da música “Deus, Nada e Tudo”) lançados, com direito a camisa e tudo, e a formação: Daniel Finizola (guitarra/voz), Victor Hugo (bateria) e Eric Sóstenes (baixo).

Essas apresentações em SP foi uma das principais apresentações da banda.
Chegaram a se apresentar também no programa “Sopa Diário”, apresentado por Roger, em Recife.

programa “Sopa Diário”

As músicas

“Sobrevivi do sangue envenenado
Que os homens bem encarados
Empurraram para mim.
E a história do I.D.R. virou arte
Para ecoar a verdade
E dar razão a quem tiver.
(…)
Sobrevivi ao I.D.R.
porque tenho sangue de barro,
Pois sou filho dessa terra
Que vive no descaso.”

Trecho da letra de “Sobreviventes”, uma das músicas da banda, que inclusive tem uma referência poética ao “Sangue de Barro”, uma outra banda surgida na mesma época, onde os integrantes frequentavam os mesmos lugares e são consideradas como bandas irmãs por terem nascido no mesmo ano.

As músicas tinha muito dessa influência da cultura regional e do cotidiano como esse trecho de “Hardcore de Lampião”:

“É Hardcore, é Lampião
É o raio das volantes
Invadindo o sertão.

Não se sabe se é herói
Se é lei, se é ladrão,
Mas todos creêm
No mito do sertão.”

Uma das minhas preferidas inclusive, que acredito eu eles não costumavam tocar ao vivo, é “Jan Palach”. Uma música inspirada em um estudante tcheco chamado “Jan Palach” que ateou fogo ao próprio corpo como forma de protesto em Praga, na República Tcheca em Janeiro de 1969.
Inclusive, a banda inglesa Kasabian gravou uma música em 2004 chamada “Club Foot” dedicada ao estudante Jan Palach também. Detalhe que 2004 é o mesmo ano de lançamento do disco dos Sobreviventes do IDR.

Imagem de Jan Palach localizada no encarte do disco por baixo do CD

“O homem nasce livre,
Mas por toda parte
Encontra ferros a lhe amarrar
(…)
Vozes no mundo a ecoar
Eu não quero ferros a me amarrar
Vozes no mundo a ecoar
Eu quero mesmo é me rebelar.”
(trecho de Jan Palach, dos Sobreviventes do IDR)

Mas nem tudo é pancada-hardcore, entre as músicas, encontra-se “Incertezas”, umas das primeiras composições da banda, que é a música mais “baladinha” de todas. Até chegar em “Sem”, a última faixa do disco e uma das músicas menos agitadas, introduzida só com voz e um violão de aço, mas crescendo com o tempo através de distorções mais pra frente.

Detalhe que no disco, essa por ser a última faixa guardava uma faixa bônus oculta fechando o disco com um silêncio grande, “iludindo” o ouvinte que o disco tinha se encerrado.

Nos tempos que os computadores não eram tão evoluídos e se escutava CDs em equipamentos mais específicos, o ouvinte mais atencioso perceberia que depois do grande silêncio entra umas frases de guitarra pra finalmente fechar o disco.

Recurso muito legal pra época em que “easter eggs” não era um termo popularmente difundido, nem os filmes da Marvel tinham popularizado aquelas cenas pós-créditos no cinema blockbuster. Os Sobreviventes do IDR já faziam isso em 2004.

Outras Coisas

Tempos depois, com a banda parada e cada um dos integrantes já envolvidos em outras atividades rotineiras, por volta de 2010, eles se juntam não para continuar o Sobreviventes do IDR, mas para pensar em um projeto mais maduro, inclusive com outro nome. É nesse momento que surge o “Outras Coisas”.

Exatos 6 anos depois da gravação do disco, muita coisa muda, os integrantes são os mesmos, mas com uma bagagem maior de outras influências, outras percepções artísticas, outras escutas, outras sensibilidades, outras coisas. Até Dorotéia (o nome carinhoso da bateria de Victor Hugo) tava mais madura nessa época, tava maior, cresceu mais uma caixa e um pedal em suas ferragens.

Entraram em estúdio de novo, com uma proposta diferente, não mais aquele rock n roll sujo (“sujo” aqui vem da distorção da guitarra), mas outras sonoridades como a presença pontual de teclado e percussão em uma das músicas, arranjos mais elaborados cheios de contra-tempos na marcação, até outras composições, algumas ainda políticas, mas não tão “raivosas” e mais abrangentes nas temáticas.

Por volta de 2011, gravam um disco chamado “Amplificando a visão e descontruindo a ordem”, com 15 faixas inéditas. Mantendo inclusive a prática de criar um vídeo-release para documentar e explicar o projeto, que também pode ser encontrado no youtube.

Amplificando a visão e descontruindo a ordem - Outras Coisas

O disco não chegou ser prensado e existir em mídia física, mas é um disco muito importante pra perceber o crescimento do Sobreviventes do IDR, e até pra entender de onde vem algumas músicas que vez por outra aparece, em forma de pinceladas sonoras, nos barzinhos e nos shows em Caruaru, como “Sonho Cego”, “Me Desculpe a Loucura” e “O Quadro”. Mas essa história eu conto depois.

Enquanto isso, a camisa que eu ganhei do Sobreviventes do IDR em 2008, ta em casa guardada esperando o momento certo para ser usada.

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