Carnaval em Caruaru: Da origem aos foliões - parte 1

Frank Junior
A Ponte
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7 min readFeb 5, 2018

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Caruaru é conhecida como a terra do forró e a terra do São João, mas já houve uma época em que uma das festas mais tradicionais de Caruaru era o Carnaval.

Os primeiros relatos de carnaval que se tem notícia em Caruaru data de 1904, época que já existia marchinhas como essa:

“Vamos partir, sacudindo flores
Adeus terrinha santa, Caruaru dos meus amores (bis)
Sai o sol, saem as estrelas sai a lua a clarear
Sai a nossa turma boa dando viva ao Carnaval”

Não é a toa por exemplo que a banda de Pífanos de Caruaru dos Bianos, gravaram uma música em seu 1º LP, lançado em 1972 (que na época ainda se chamavam de “Bandinha de Pífano Zabumba Caruaru”), chamada “Bloco das Flores”, de composição de Onildo Almeida, que se utiliza dessa marchinha como refrão, e a letra completa é assim:

“Vamos partir, sacudindo flores
Adeus terrinha santa, Caruaru dos meus amores (bis)
Adeus terrinha santa nosso bloco vai partir
amanhã é quarta feira não podemos mais sair”.

Um dos foliões mais famosos de Caruaru era o mestre Tota (Antônio Evangelista de Paula), que numa entrevista dada em 1957 ao Jornal Vanguarda, conta que o carnaval na década de 20 terminava bem cedo, por volta de umas 18:30, porque a iluminação da cidade era toda de lampião. Nessa época em Caruaru ainda não se tinha tradicionalmente a participação da dança do frevo. As pessoas saiam de calça branca, blusa de marinheiro, chápeu e sapato da mesma cor, era o “Bloco dos Marujos”, e toda a festa acontecia na rua da Matriz, Praça Henrique Pinto e rua Vigário Freire.

Já na década de 30, surgiram outros blocos como “Abanadores”, “Bela União”, “Coração Melodioso”, “Batutas de Caruaru”, “Bloco dos Periquitos”, “Cachorro do Homem do Miúdo”, “Independentes”, e ainda os clubes “Vassouras” e “Toureiros”. Nessa época, Caruaru contava com uma população entre 12 a 15 mil habitantes.

E pra quem conhece a tradição do Axé e do Loló no carnaval de Olinda nos dias de hoje, nem imagina que uma das propagandas mais marcantes do carnaval dessa época em Caruaru era sobre o Lança-Perfume, que era vendido em vários estabelecimentos, e que só veio ser proibido no final da década de 60.

“Chegou o Carnaval! Este ano, podemos brincar a vontade foliões, porque há na cidade lança perfume em grande quantidade e de todas as marcas pelos melhores preços…” (VANGUARDA, 19 de fevereiro de 1933).

Ainda na década de 30, o carnaval era financiado pelas elites que bancavam os custos da festa. Os clubes sociais “Central”, “Cassino” e “Esporte” promoviam bailes justamente para essas elites e a festa inteira já tinha um ritmo definido, que era o frevo e as marchinhas executado pelas orquestras. Além dos bailes, o centro da cidade ficava animado com troças,

blocos, maracatus, escolas de samba.

Na década de 50 essas tradições do festejo permanecem cada vez mais forte, como o aparecimento por exemplo de figuras folclóricas do carnaval como “O Vereador Bode Cheiroso”, o “Zé Pereira”, “A Rainha do Carnaval” e o “Rei Momo”. O Rei e a Rainha eram esperados no centro da cidade vindos de trem ou de automóvel. As “autoridades do carnaval”, o rei e a rainha, chegavam na semana pré-carnavalesca, na sexta-feira, ou no sábado e havia muito samba, apesar de prevalecer o frevo. Os bailes eram animados por músicas “importadas” do Recife e de composições também de caruaruenses. Inclusive, uma prática muito bonita por parte da mídia da época era publicar as letras dessas músicas nos jornais para que os houvesse tempo dos foliões aprenderem.

As agremiações carnavalescas mais famosas eram os ranchos da “Rua da Matriz” e do “Bairro Novo” e os blcos “Sapateiros em Folia”, “Motoristas em Folia” e “Vassourinhas”.

Caruaru achou pouco e ainda incrementou mais o carnaval com a “Semana Pré-Carnavalesca”, que era organizada e custeada pela sociedade civil com ajuda do poder público municipal. Nos bailes dos clubes a animação contava com muita cerveja, lança-perfume e…talco. O talco, a goma e o lança-perfume era muito usado para jogar nas pessoas, melando todo mundo. Uma das brincadeiras inclusive, era o banho que as pessoas tomavam no tanque da praça Coronel Porto, na Rua Preta onde o povo mergulhava com roupa e tudo. O mais “massacrado” era o famoso cabeleileiro João-Cara-de-Porco que era jogado no tanque várias vezes pelos amigos. E daí partiam de casa em casa dos conhecidos, dançando, bebendo e melando todo mundo.

As bandas “Comercial” e “Nova Euterpe” animavam os bailes e animavam também os clubes da cidade (Motoristas, Vassourinha, Sapateiros). Nesse caso, como eram 3 clubes pra 2 orquestras, um dos clubes tinha que contratar uma orquestra de outra cidade.

No meio do festejo tinha uns foliões que eram bem populares, como “Caboré do Boi Bandeirantes”, “Zé de Donzinha”, “Cacho-de-Coco” e suas pastoras, “Zé Tatu”, “Vovô”, “Zé de Inês”, “Maria Boi Brabo” que era uma dançarina da Rua 10 e sempre arrasava nos dias de folia.

Desses nomes, um dos mais queridos era “Cacho-de-Coco” (José Romão da Silva, 1882–1975), trabalhava em Caruaru como jornaleiro e técnico de futebol. No seu bloco que saía pedindo doações aos comerciantes e empresários para fazer as fantasias do seu bloco “Sou eu Teu Amor”. Cacho-de-Coco percorria o percurso do desfile a toda velocidade quase todas as ruas da cidade (que naquela época não eram muitas) agradecendo as pessoas que o ajudaram financeiramente.

Foi justamente esse bloco que inspirou Carlos Fernando a fazer o frevo “Sou eu teu amor”, no qual foi interpretado por Jackson do Pandeiro e Gilberto Gil no também projeto de Carlos Fernando, Asas da América, em 1979.

“Lá vem lá vem o bloco
Cadê o bloco já passou
Lá vem lá vem o bloco
Mas, cadê o bloco já passou
É um bloco veloz feito um raio
Chamado Sou Eu Teu Amor (bis)
Viu, por onde ele passa
Sacode alegria a vapor
Limão com cachaça
E a onda do frevo esquentou
Lá vem Lá vem o bloco
É um bloco que chega
É um bloco que passa
É um raio que rompe a traça
E a massa espanta a dor
Lá vem
Lá vem um bloco
Chamado Sou Eu Teu Amor”

Ainda sobre os foliões mais populares, tinha também Chico Porto (Francisco Porto de Oliveira, 1899–1983), que foi o boêmio mais famoso de Caruaru, considerado inclusive como o maior tomador de Brahma da cidade. Era muito alegre e sempre fazia a função de orador em festividades, enterros e eventos. Músico e folião nato e foi eleito o Rei Momo várias vezes no carnaval, comemorando sempre com muita cerveja.

Tinha ainda “Zé de Nei” (José Virgínio da Silva, 1889–1988), que fundou o bloco “Zé de Nei”, que participava junto com todos os seus familiares, com ele próprio tocando trombone acompanhado de sua filha Ivete Kairo no acordeon, e fundou ainda o “Pastoril de Zé de Nei” e o “Bloco Infantil do Salgado”.

E ainda tinha vários outros como “mestre Tota” (Antônio Evangelista de Albuquerque, 1883–1962) que fundou os blocos “Caminha Verde” e “Bella União”. Mestre Gercino (Gercino Bernardo da Silva, 1929–2011), que era o responsável pelo Boi Tira-Teima… além de muitos outros foliões.

Pra não ficar muito grande nem cansativo, vou deixar para a parte 2 desse texto, como Caruaru teve o melhor carnaval do estado até sua decadência, e a cidade deixar de ter oficialmente os festejos de carnaval.

Referências:

- SILVA. José Daniel da. Festas Boas de Caruaru.Da Conceicao a Capital do Forró (1950–1985).
- MARQUES. Josabel Barreto. Caruaru, Ontem e Hoje: Da Fazenda a Capital.

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