Da Fábrica ao Museu Caroá

Frank Junior
A Ponte
Published in
7 min readJan 11, 2019

Há um espaço em Caruaru, bem conhecido por seus habitantes, onde fica localizado o Pátio de Eventos Luiz Gonzaga, no centro da cidade. O espaço, além de abrigar um dos palcos no São João, é dividido em várias áreas. Do lado esquerdo da estátua de Luiz Gonzaga fica o Museu do Barro de Caruaru, e do lado oposto, no galpão, fica a Fundação de Cultura de Caruaru e o museu da Fábrica Caroá.
Esse último museu especificamente, existe pra manter viva um pedaço da história de Caruaru, de uma fábrica que não existe mais.

A fábrica existiu exatamente naquela área inteira do que é hoje o Pátio de Eventos Luiz Gonzaga. Foi construída por um cidadão chamado José de Vasconcellos e Silva, nascido na cidade de Altinho em 1872. Ele se casou com Otília Limeira em 1896, mesmo ano que criou a firma chamada “José de Vasconcelos & Cia”, para fazer negócios com algodão e vender para PE, PB e RJ.

A família inteira de José de Vasconcellos era bem sucedida, e com a volta dos filhos da Europa, os negócios de algodão da “José de Vasconcelos & Cia” ganha mais força. Nessa mesma época, surge a idéia de empreender com a desfibração do caroá.
O caroá é uma planta fibrosa, típica das caatingas do nordeste, com nome derivado do tupy, que significa “talo com espinho”. É muito usada na fabricação de cordões, cordas, cabos, barbantes, brim, tapetes, papel, papelão, sacos e seda vegetal.

A planta Caroá na caatinga seca

A partir disso, que José de Vasconcellos decide construir em Caruaru, a “Fábrica Caroá” para trabalhar com essa desfribação do caroá. A construção da fábrica começou no início da década de 30, e mudou o rumo das conversas de botequim e final de tarde na cidade, por se tratar de um empreendimento muito grandioso pra época, com um altíssimo custo financeiro.
A construção demorou 2 anos pra ficar pronta, inaugurando com uma grande e aguardada festa de inauguração - só para convidados vips - no dia 09 de Setembro de 1935.

A inauguração da fábrica causou grande ansiedade e esperança econômica na cidade, porque era a promessa de novos empregos, e símbolo de imponência e modernidade. Lembrando que a chaminé da fábrica (também conhecida como “bueiro da caroá”) pode ser vista em praticamente qualquer ponto da cidade ainda hoje em dia, pela sua altura, imagine isso na década de 30, quando não se tinha grandes prédios ainda. E toda essa efervescência popular não era à toa, com o aparecimento da fábrica, muitos trabalhadores do campo que dependiam exclusivamente do que plantavam para sobreviver, migraram para cidade para trabalhar na fábrica.

Boa parte do maquinário da fábrica vinha da europa, e era de última tecnologia. Apesar disso, a fábrica era quase toda auto suficiente, a manutenção das máquinas eram feitas pelos próprios funcionários, e lá dentro tinha seção de elétrica, carpintaria e até algumas máquinas foram construídas lá dentro mesmo.

Antes de construir a Fábrica, José de Vasconcellos, tinha também uma empresa distribuidora de energia elétrica, que era proveniente de grupos geradores de energia. Quando a fábrica foi fundada, recebeu isenção de impostos, pois tinha acesso a esses geradores de energia. Os geradores eram tão grandes que quando ligados, abastecia tudo e ainda sobrava energia, que ela vendia para a prefeitura. Ou seja, a fábrica começou a distribuir energia, na qual o bairro do Salgado e parte do Riachão eram abastecidos diretamente pela Caroá.

Teares da caroá — anos 40
Transporte da fibra de caroá em uma das fazendas de José de Vasconcellos, no sertão de PE
Secagem da fibra de caroá em uma das fazendas de José de Vasconcellos, no sertão de PE

Um dos projetos da fábrica também foi a construção de uma vila operária fora das instalações da fábrica, a “Vila Caroá”. Nessa época, a área da fábrica era enorme, e era maior do que a área construída, desde a rua que desce pro bairro do Salgado, até o colégio Vicente Monteiro, indo até ali no antigo Comprebem, era da Caroá. Ao lado do antigo Comprebem, onde era antigamente a cliníca de Dr. Veloso, era a casa de José de Vasconcellos inclusive. E ele construiu a vila para os encarregados e chefes das seções, todos eles ganharam casa, e ainda deram mais algumas casas pra quem não tinha casa. E segundo depoimento de ex-funcionários da fábrica, as poucas casas que foram doadas, eram doadas mesmo, de graça.

“Nessa época, ninguém comprava nada parcelado em Caruaru, só à vista, e para os funcionários que não tinham dinheiro, o que José de Vasconcellos fez foi o seguinte, você comprava o seu objeto e pagava depois com o salário família, a fábrica descontava do seu salário família” (depoimento de Sr. Paulo Lavoura, e Sr. Sebastião, ex-funcionários da fábrica). Esse salário família era uma pequena taxa adicional ao salário proporcional a quantidade de filhos que o funcionário tinha.

Fora das instalações da vila, mas mantido pela fábrica, também tinha o clube da caroá, destinado ao lazer de seus operários, era um clube dançante onde rolava muito som de Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga.
Mas todas essas benfeitorias não saía totalmente de graça, em troca os operários tinham que seguir absolutamente as regras, era uma forma de manter o controle sobre eles.

Apesar da fábrica ser um aspecto extremamente positivo pra história de Caruaru e sua existência foi de grande importância pra cidade, não deixando de reconhecer todas as coisas boas que a fábrica proporcionou, mas existe também alguns pontos negativos no dia-a-dia dela. Em meados da década de 30, o governo vigente era o de Getúlio Vargas, e com isso veio a criação de alguns ministérios como o do trabalho. O trabalho infantil já era proibido nessa época, mas as leis não foram obedecidas assim tão de imediato. Na Caroá, muitos funcionários tinham em média entre 11–18 anos. Alguns funcionário eram demitidos pouco antes de completar 1 ano de trabalho, depois recontratados 2–3 meses depois, só pra não ter que pagar direitos trabalhistas como 13º salário. Os funcionários efetivados depois de 1 ano de trabalho recebiam normalmente os direitos.

A falência

A Caroá funcionou muito bem até o início da década de 70, onde começou uma série de mudanças de cargos e administrações (o fundador José de Vasconcellos já tinha falecido a tempos nessa época, em 1949), caindo numa crise administrativa e econômica cada vez pior. A má administração levou a fábrica a se endividar muito, os salários da maioria dos 240 funcionário atrasados e por aí vai. Como não podiam fazer empréstimo ao banco por dificuldades financeiras e burocráticas, o Banco do Brasil resolveu fazer um acordo, pagava todas as dívidas da fábrica e todos os salários atrasados, em troca ficava com o patrimônio inteiro. Negócio fechado, a fábrica fechou oficialmente em 1979, e agora era de propriedade do Banco do Brasil. Pouco depois, com a interferência do Ministro da Justiça da época, Fernando Lyra, a propriedade foi doada ao governo municipal, que reformou o prédio e as instalações e inaugurou no dia 30 de Dezembro de 1988, o Espaço Cultural Tancredo Neves e o Museu da Fábrica Caroá (ou seja, completando em 2018, 30 anos de inauguração).

Fios de caroá desfibrado — Acervo do Museu da Fábrica Caroá (Fonte: http://museusdecaruaru.blogspot.com)
Bobineira — Acervo do Museu da Fábrica Caroá (Fonte: http://museusdecaruaru.blogspot.com)

Parte das instalações da fábrica, onde fica a chaminé por exemplo (ou o “bueiro da caroá”), funciona hoje o Museu do Barro de Caruaru, e aquele largo que sobrou no meio (depois da Vila Caroá ser demolida) é hoje o Pátio de Eventos Luiz Gonzaga.

Algumas máquinas, registro de ponto, e fotografias também foram preservadas no museu da Fábrica Caroá no galpão da Fundação de Cultura. A Caroá é um pedaço de extrema importância pra história de Caruaru, com ela, não só a economia da cidade mudou como a rotina dos habitantes também, que se baseavam no “apito da caroá” (nome popular do sinal de troca de turno) para acordar, ir pra escola, ou coisas do tipo.
Essa história muitas vezes é esquecida, mas o museu funciona todo dia lá no galpão da Fundação de Cultura pra manter essa história sempre viva.

Fábrica Caroá vista de cima

Referências:

  • “PEREIRA, George. TEIXEIRA, Geyse Anne. Fábrica Caroá - História e Memória
  • O grupo “Caruaru Arcaico”, onde encontrei as imagens

--

--