Nelson Barbalho: O escritor que transformou Caruaru em um país

Frank Junior
A Ponte
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6 min readApr 2, 2018

Caruaru é uma cidade que tem grandes nomes na sua história literária, e por falar em história, agora em 2018, é o centenário de um dos principais nomes da literatura e história de Caruaru: Nelson Barbalho.

Nelson Barbalho de Siqueira, nasceu em Caruaru em 02 de Junho de 1918, filho de comerciantes, foi aluno do poeta Augusto Tabosa, e morou um tempo em Recife na década de 30, mas voltou pra Caruaru pra trabalhar.

Trabalhou um tempo na alfaiataria do pai (que ficava localizada ali quase de frente do antigo Mercado de Farinha) mas saiu pra ingressar no IAPC (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários) de Campina Grande em 1942, mas pouco tempo depois foi transferido pra Caruaru, onde foi datilógrafo, escriturário e fiscal público, profissão essa que Nelson exerceu até se aposentar em 1977.

Na Literatura:

Nelson Barbalho conciliava as atividades de fiscal público com as atividades intelectuais escrevendo para jornais da cidade e revistas literárias, começando escrevendo crônicas e textos baseados em lembranças e memórias. Nelson é também referência unânime quando se trata da história do sertão e agreste de Pernambuco, principalmente a história de Caruaru no qual é assunto da maior parte dos seus escritos. Só pra se ter uma idéia das pesquisas de Nelson Barbalho, vale lembrar da série de livros: “Cronologias Pernambucanas: subsídios para a história do agreste e sertão de Pernambuco”, no qual, ao total de 20 edições publicadas (e mais algumas ainda inéditas), Nelson conta a história de PE voltando desde 1100 anos A.C até chegar no século 20 nas origens do homem sertanejo ou agrestino.

No começo, antes dele publicar algum livro, meados da década de 50, Nelson Barbalho teve muita dificuldade de publicação em busca de editores, a maior chance foi no centenário de Caruaru (1957) que Nelson organizava o “Uma Cidade faz cem anos”, mas não deu certo por desentendimentos políticos. Foi por isso que somente em 1969 ele publica seu primeiro livro, com apoio do Jornal Vanguarda e do escritor caruaruense Agnaldo Fagundes (no qual escreveu também o prefácio), e daí nasceu o livro “Major Sinval”. O livro é sobre uma das figuras mais icônicas de Caruaru, o Major Sinval, no qual era amigo de Nelson Barbalho e dono da “Pharmácia Franceza” (antes do termo “beco da Estudantil”, aquele beco era mais conhecido como o “beco de major Sinval”, onde era localizada a farmácia), além de poeta e contador de histórias.

Em um dos encontros de mesa de bar entre Nelson Barbalho e Major Sinval, já hora da despedida com o “quengo cheio” como ele mesmo explica no livro “O Trem da Saudade”, Nelson mandou o mote da saidera para o major:

“Sinval e Nelson Barbalho / São amigos de primeira”

Major Sinval “dando de garra dum copo de cana e duma coxa de galinha assada” brindou e improvisou:

Banhados com o mesmo orvalho
Cresceram no mesmo clima
E vivem na mesma estima
Sinval e Nelson Barbalho”
Cada qual no seu trabalho
Moureja a vida inteira
Porém, de qualquer maneira
Quer juntos, quer separados
Esses dois cabras danados
São amigos de primeira”.

Na História de Caruaru:

O primeiro livro de Nelson Barbalho se tratando de Caruaru foi lançado em 1972, e se chama “Caruru, Caruaru”, com prefácio de Kermógenes Dias, o livro trata de uma obra de ocorrências históricas com personagens, dados folclóricos, diálogos rústicos que remontam o passado da cidade. Talvez pela ocasião do livro, não sei, mas 1972 foi o mesmo ano que Nelson Barbalho lançou esse mote para o amigo poeta Artur Tabosa”:

“Caruru ou Caruaru / Nossa terra é a maior”.

Artur Tabosa rapidamente improvisou:

Já ouvi dizer: Caruru
Há muitos anos atrás
Mas, para mim, tanto faz
“Caruru ou Caruaru”
Quase ficou Cururu
O que seria pior
Como está ficou melhor
Pois de fato e de direito
Crescendo assim desse jeito
“Nossa Terra é a Maior”.

Em seus escritos e causos, Nelson Barbalho se refere a Caruaru de várias formas como “a terra de Álvaro Lins”, ou “A cidade dos avelozes esmeraldinos”, ou “O Continente de Caruaru”, mas a sua mais famosa forma de expressão a referenciar Caruaru, virou até nome de livro, elevando a cidade à país: “O País de Caruaru”. Livro publicado em 1974, que fala muito da história política da cidade logo no inicio de ter se tornado município, quando ainda não havia prefeitura e quem comandava politicamente a cidade era a câmara dos vereadores.

Esse livro e “Caruaru, de Vila a Cidade” publicado em 1980 falam muito da história cronológica de Caruaru.

Ao todo, entre publicados e inéditos, Nelson Barbalho escreveu 110 livros, sendo mais da metade só sobre Caruaru, desde lembranças e memórias da infâncias, passando por causos que aconteceram com ele ou com conhecidos, até contar a história detalhada e cronológica de Caruaru tornando ele como um dos principais historiadores da “terra de José Condé”.

Na música:

Na festa do centenário de Caruaru, em 1957, Luiz Gonzaga foi convidado a participar e pediu a Onildo Almeida e Nelson Barbalho que escrevessem uma música. Nelson Barbalho ainda sem publicar seu 1º livro, compôs junto com Onildo “Caruaru, Capital do Agreste”.

1957 por coincidência também foi a mesma data que Gonzaga grava “A Feira de Caruaru” escrita por Onildo um ano antes.

Essa foi a primeira música de Nelson Barbalho, mas ele não parou só nessa, ele escreveu cerca de 180 canções, onde a maioria se encontra inédita até hoje. Logo depois, Gonzaga gravou “Comício do Matão”, “Xote das Moças” e “Sertão Sofredor” , todas de parceria de Nelson Barbalho e Joaquim Augusto, maestro, amigo e parceiro de Barbalho em várias composições.

Mas a música mais famosa de Nelson Barbalho foi em homenagem a morte de um primo de Luiz Gonzaga, um vaqueiro lá pras bandas de Serrita que se chamava Raimundo Jacó. A música se chama “A Morte do Vaqueiro” (tengo lengo tengo lengo tengo), e foi a partir daí que se deu origem a tradicional Missa do Vaqueiro em Serrita.

Evento esse que Gonzaga convidou outro caruaruense pra fazer uma música pra missa, e o convidado falou “vou fazer uma só não, vou fazer a missa inteira”, era o “Doutor do Baião”, Janduhy Finizola que compôs várias músicas pra Missa do Vaqueiro, que rendeu até disco do Quinteto Violado com essas músicas, com direito a capa do disco feita por mestre Dila, também caruaruense. Mas essa é outra história.

No Legado:

Nelson Barbalho faleceu em 1993, e aproveitando gancho dos 20 anos de morte de Barbalho, foram lançados um CD produzido por Cláudio Almeida e um documentário produzido por Wilson Freire chamado “Nelson Barbalho: O imortal no país de Caruaru”.

Em 2017 foi inaugurado no Polo Comercial em Caruaru uma exposição chamada “O País de Caruaru” voltada para a vida e a obra de Nelson Barbalho, com fotos, histórias, e alguns livros, acredito que vale demais a visita.

E agora em 2018, fazendo parte do centenário de José Condé, e porque não também o centenário de Nelson Barbalho, foi lançado um livro inédito de Barbalho pelo Instituto Histórico de Caruaru e a editora CEPE, a biografia de José Condé escrita por Nelson Barbalho.

Nelson Barbalho é fonte indispensável para se saber mais da história de PE, sobretudo a história e Caruaru. Acredito eu, que sua obra deveria ser vista em escolas, pras crianças crescerem aprendendo a história de sua cidade, além de que uma justa homenagem a ele seria alguma editora se interessar em lançar toda sua obra naquelas coleções bem bonitas de capa dura nera não?

Nelson Barbalho não é só nome de escola estadual em Caruaru, deve ser uma figura jamais esquecida pelos caruaruenses que apesar de ter sua obra toda esgotada nas livrarias, vale a pena o garimpo em sebos pra aprender um pouco mais da história e literatura de Caruaru. Mas podemos começar prestando atenção nos projetos do Instituto Históricos de Caruaru que articulou a exposição fixa no Pólo e o lançamento de um livro inédito, que ta recente, dá tempo de adquirir ainda.

Referencias:

VERIDIANO, José. FALAS DA CIDADE Um estudo sobre as estratégias discursivas que constituíram historicamente a cidade de Caruaru-PE (1950–1970)

BARBALHO, Nelson. Trem da Saudade.

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