O Fantasioso mestre Dila | #ConexõesCulturais

Frank Junior
A Ponte
Published in
6 min readJan 2, 2018

*Texto originalmente escrito pra coluna “Conexões Culturais” no blog “Cultura e Cidadania”.

Aproveitando o mesmo fio poético do texto anterior sobre o mestre Sales Arêda, é muito pertinente falar um pouco sobre um outro grande poeta, cordelista e um dos principais nomes da xilogravura, que completou 80 anos agora em 2017, mestre Dila.

mestre Dila

José Ferreira da Silva (aka Dila), nasceu em Cumaru em 17 de Setembro de 1937, mas mudou-se pra Caruaru em 1952, onde de inicio ia passar apenas 1 dia, acabou ficando até morar de vez, por ter arrumado emprego em gráficas e jornais da cidade. Dila é filho de Domingos Soares da Silva e Josefa Maria da Silva. “A minha mãe era a Cangaceira Beleza e

meu pai é apelidado de Relâmpago”. Sua própria biografia é envolvida com suas fabulações, a começar que ele adota vários nomes como “José Soares da Silva”, “José Cavalcanti Ferreira”, “Dila José Ferreira”, e faz uso inclusive de pseudônimos na assinatura dos cordéis como:

“Dila”, “Dilla”, “Dillas” e “Dyyllas”, “Saboia”, “Sabaó”, “Barba Nova”, “Kirbaano”, “Alexandre José Felipe Cavalcanti d´Albuquerque”, “Felipe Henrique”, “Antônio Cavalcanti”, “José Soares da Silva” e todas as combinações possíveis com esses nomes. Dessa forma é quase impossível escrever uma antologia sua, apesar de se orgulhar de já ter escrito mais de 200 cordéis, ainda tem o fato de que em sua casa, ele não guarda muita coisa, os cordéis estão por aí espalhados pelo mundo.

Mestre Dila (que por sinal, não gosta de ser chamado de “mestre”) ainda afirma ter participado do cangaço e ter sido um dos integrantes do bando de Lampião, como ele mesmo fala para a jornalista Maria Alice Amorim: “Eu, Dila José Ferreira da Silva na vida do cangaço levei vários cercos, levei 2 tiros do Tenente Valentão, fui procurado no enterro de meu pai, em 1952 me livrei do último cerco pelo Tenente Abdias Patriota. Nos anos de 1940 fiz meu campo de trabalho em cima da história do cangaço, tenho de minha autoria 70 Cordel de cangaço; Escrevi Lampião e Maria Bonita com 48 páginas, 32, 24, 16, 12, e agora venho publicando o mesmo com 8 págs.…”.

Na mesma época que foi morar em Caruaru, na década de 50, chegava bem cedo nas feiras, abria a maleta com os folhetos e começava a cantar o que escrevia (que inicialmente, os cordéis eram feitos para serem cantados em voz alta, era muito comum essa prática na época em feiras ou praças públicas). Cordéis como “São Bartolomeu e o Diabo” e “Paulo e Rosita” venderam para mais de 70 mil exemplares, e Dila não ficou com nenhum, nem o seu preferido, “O Sonho de um romeiro com o padre Cícero Romão”, que conta a história de um romeiro que adormece a beira de uma árvore e sonha com Padre Cícero profetizando conselhos..

“Apolo inspira ao poeta
Para falar de um Romeiro
Que foi fazer romaria
Na Matriz do Juazeiro.
Viajou do Piauí
Com Deus no coração
Rezou, dormiu e sonhou
Com Padre Cícero Romão.”
(versos que iniciam o cordel)

Dila também era conhecido como “o marechal do cordel”, ou “o papa da xilogravura”, como é dito inclusive na música “Dila” no forró rabecado da banda “Forró de Cana”:

“Rei do universo encantado
Da gravura popular
Um cordelista afamado
Do cangaço cultural

O Papa da Xilogravura
O Marechal do Cordel
Mestre Dila é cultura
Literato e Bacharel

Suas xilogravuras perfeitas
Enfeitam nossos cordéis
Cordelista dos cordelistas
Bacharel dos Bacharéis

Seus versos vêm do sertão
Fazendo quem lê viajar
Caicó é sua nação
E Caruaru é seu lar”

Não só nos versos Dila é um mestre, mas na arte da xilogravura é um dos principais nomes também. Até porque, são duas artes que só existem casadas, um cordel precisa de uma arte em xilogravura gravada na capa, e Dila é mestre nas duas artes e fez capa para muitos córdeis de amigos, incluindo “O encontro de dois sertanejos no sertão de Petrolina” que foi o primeiro cordel publicado de um outro grande nome da xilogravura J. Borges, em 1964.

Além disso, Dila inovou na xilogravura por sair da tradicional coloração em preto e branco pra colocar cores em suas gravações, o que significa dizer imprimir separadamente uma por uma.

Um dos resultados dessa sua experimentação com cores é o livro popular “Bagagem do Nordeste” de 1974, no qual tem o prefácio pelo seu amigo caruaruense e também poeta Aleixo leite Filho. Inclusive, é nesse livreto que tem um verso que Dila fez pro centenário de Caruaru em 1957 (o aniversário de Caruaru é comemorado a partir da data que a vila foi promovida pra cidade que foi 18 de Maio de 1857).

Um outro cordel bem conhecido de Dila é “Os Lampiões” de 1976, no qual ele narra várias existências de Lampião, no qual ele diz ter vindo de uma dessas, como explica Aleixo Leite Filho no prefácio. Aleixo ainda diz que o que Vitalino foi pro barro é Dila pra Xilogravura. Percebe-se também a capa do cordel já com o uso da inovação das cores.

Um outro exemplo de um cordel de sua autoria, com capa colorida é o folheto “São Salviano e Satanaz”

Como prática muito comum entre os cordelistas, Dila também fazia uso de acrósticos (como explicado no texto de Sales Arêda) no final de alguns de seus córdeis:

Já escrevi o livreto
Como o destino mandou
Ficou lutas arquivadas
De onde a história apontou
Indo procurar os locais
Leva pesquisas legais
Assim meus versos arquivou”
(verso final do cordel “Os lampiões”).

Jesus veio perdurar
Com amor e com bondade
Ficamos com sua paz
Dentre pura lealdade
Indo em cada coração
Louvar pedir em oração
A paz para a humanidade”
(verso final do cordel “Bodes, Cangaços e Lutas”).

Deus ajudou ao seu
Isso temos que saber
Leitores esse trancôso
Aqui findei de escrever
Só é comum de poeta
Se obrigar descrever”
(verso final do cordel “São Salviano e Satanaz”).

Em 2002, Dila ganhou o prêmio de Patrimônio Cultural de Pernambuco pela Secretaria Estadual de Cultura — Fundarpe. Em 2007, em seu aniversário de 70 anos, Dila foi lembrado com o llivro “Xilogravura do Mestre Dila: uma visão poética do Nordeste”, na VI Bienal do Livro de Pernambuco. O organizador foi o caruaruense Hérlon Cavalcanti, presidente da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel, na qual Dila ocupa a cadeira 20, cujo patrono é o paraibano Zé Limeira, o Poeta do Absurdo. Em 2011, é o homenageado da Fenearte em Recife, e em 2012 sofre um AVC, mas felizmente permance lúcido apesar de algumas limitações físicas.

Em seu mundo de fantasia, Dila diz:
“Quando minha mãe morreu, perguntou:
– Quer ir, Dila?
Eu respondi:
– Não, eu vou depois.”

Em uma entrevista para a revista Continente, a jornalista Maria Alice pergunta: “e quando esse dia chegar Dila?”, e ele responde:

“Sonho vendendo meus cordéis do outro lado do mundo. Isto me leva a cinco caminhos. O nome Dila, meu bisavô. Dila, meu pai. Dila, meu irmão gêmeo. Dila, uma irmã gêmea, que foi dada com três dias de nascida e nela foi colocado outro nome. Esses Dila todinhos eram uma pessoa só, que morria e voltava pra casa, com 10 anos de idade. E, quando eu morrer, se não me agradar, eu tô de volta.”.

Vida longa ao mestre Dila que ele mesmo disse que quer viver até os 120 anos, chegando aos 80 agora em 2017. Mais um nome da história e cultura popular de Caruaru que deve ser sempre lembrado.

“O poeta é um pintor
Nos quadros da natureza
Pinta os desenhos possíveis
De atrair com a beleza
É esse dom que emprego
Nas páginas da incerteza”

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