O poeta e ceramista: mestre Galdino

Frank Junior
A Ponte
Published in
4 min readMar 29, 2018

Caruaru é conhecida como a terra do barro e a terra de mestre Vitalino.
Vitalino foi o grande mestre que transformou barro — que antes era brinquedo e ferramenta doméstica — em arte.

O Alto do Moura em Caruaru é o maior centro de Artes Figurativas da América, e um dos filhos do Alto do Moura, discípulo de Vitalino e mestre da cerâmica era mestre Galdino.

mestre Galdino ems eu ateliê

Manuel Galdino de Freitas, conhecido como Mestre Galdino, nasceu em 19 de Agosto de 1924, em São Caetano da Raposa. Chegou em Caruaru em 1937, onde encontra Marcionila Maria de Freitas (mais conhecida como Maria Rendeira) com quem veio a se casar no ano de 1940, e teve 3 filhos: Antônio, Jociel e Joel, todos ceramistas.

Galdino trabalhou como pedreiro em Caruaru e conheceu a arte do barro na década de 70, vendo as obras de mestre Vitalino, Zé Caboclo e Zé Rodrigues.

Galdino também era um admirador da cultura cordelista, poetas cantadores e violeiros e rimava versos inspirados nessas cantorias que ele costumava assistir. Geralmente cada peça Galdino criava - inspirada em seus sonhos e sua imaginação - vinha acompanhada nem que fosse de um pequeno verso.

“Galdino é bonequeiro
e sou poeta também
tem boneco em minha casa
que bonequeiro não tem
na arte só devo a Deus
lição não devo a ninguém.”

Já na década de 80, Galdino participa da obra teatral de Vital Santos “O Auto das 7 Luas de Barro” que é uma peça em homenagem aos 70 anos de mestre Vitalino (Vitalino nasceu em 1909 e a peça é de 1979). A peça conta a vida e a obra de Vitalino. A peça é narrada por 3 esculturas de Galdino (Babau, Jericó, e Lobisomem - peças inspiradas em seus sonhos) transformadas em personagens. “O Auto” recebe vários prêmios e ajuda a divulgar as peças de Galdino, mas só em 1986 que Galdino se auto intitula poeta e ceramista.

E como esses três bonecos são figuras deformadas lindíssimas, apocalípticas mesmo, aí Vitalino começa a ter visões com eles. Então, durante toda a peça, ele vai aos poucos, numa psicologia do inverso, se descobrindo nos bonecos de Galdino. Aí, cada vez que ele toma um pileque e cai - que Vitalino bebia muito — ele desmaia, ele vê sete luas de barro, e cada vez ele sempre chama por Galdino: ‘Galdino, tira essas figuras daqui, Galdino me livra(…)’ 12 (MONTES, 2012, p. 181 apud VITORINO, 2013, p. 65).

“Manda bater o sino
Babau, Jericó, Lobisomem
Para acordar esse homem
Que dorme feito um menino”
(“Acalanto” - música de Jadilson Lourenço, que faz parte da trilha sonora do “Auto das 7 Luas de Barro”)

Galdino é considerado mestre por ter inovado , criado um estilo diferente de se fazer arte na cerâmica. A obra de Galdino se caracteriza basicamente por suas peças retratando cangaceiros e as figuras fantásticas-surrealistas, muito particular da cultura popular nordestina e sempre dividindo com a cerâmica o fato das poesias de cordel.

Em 1990, morre Maria Rendeira, e Galdino faz um verso:

“Em sonho fui até o céu
Lá conversei com Maria
Quem não sonha como Galdino
Morre danado e não cria”

Uma das peças mais famosas de Galdino é o “Mané Pãozeiro”, inspirado em um primo dele que era padeiro (conhecido como “Mané Padeiro”).

Mané Pãozeiro

O verso atrelado essa obra é o texto mais famoso de Galdino que se chama “Se Cria Assim”

“Quem cria tem que dormir
Pensar bem no passado
De tudo ser bem lembrado
Girar o juízo como louco
Ter a voz como um pipoco
Ter o corpo com energia
Ler o escudo do dia
Conservar uma oração
Fazer sua oração
Ao deus da puizia.

Deve dormir muito cedo
Muito mais cedo acordar
Muito mais tarde sonhar
Muito afoito e menos medo
Muito honesto com segredo
Muito menos guardar
Muito mais revelar
Pra ter mais soberania
Muito poucas covardia
Não dormir para sonhar”

Esse texto inclusive foi musicado pelo Sangue de Barro, banda caruaruense do final da década de 90, numa música do 1º disco que se chama “Se Cria Assim”.

Galdino tinha várias outras peças como o Lampião-sereia, Carranca, cangaceiros, e outros.

Lampião Sereia
Cangaceiro

Em 25 de Maio de 1996 falece Galdino por complicações cardíacas e deixa para o Alto do Moura e Caruaru sua contribuição para a arte e a história cultural da cidade, como um dos mais importantes escultores atuantes no país.

Em sua homenagem, se construiu o Memorial Mestre Galdino, lá no Alto do Moura (fica quase na frente do bar de Juscelino), no qual tem obras, textos e histórias.

Memorial Mestre Galdino

Mestre Galdino é um dos maiores mestres da cultura popular do país e da história das artes em cerâmica do país. É um nome que jamais deve ser esquecido da história de Caruaru.

“Sou um velho ceramista
Faço repente também
A minha dignidade
Eu não dou por dez vintém
No mundo eu tenho um valorzinho
Que nem todo careta tem.”

Referências:

VITORINO, Rosângela Ferreira de Oliveira. Mestre Galdino: O Ceramista poeta de caruaru.

--

--