São João: do préludio ao Pátio do Forró

Frank Junior
A Ponte
Published in
7 min readJun 7, 2018

Caruaru é uma cidade onde, hoje em dia, a principal festa é o São joão, digno de mudar o calendário. Lá em Caruaru a ordem dos meses é essa: Abril, Maio, São João, Julho.

São João é o mês de Junho todo, eu mesmo nunca sei qual é a data do feriado, São João pra mim começa no 1º dia do mês de Junho.

Pra quem nasceu na década de 90 feito eu, a configuração sempre foi essa, mas na verdade nem sempre foi assim, na década de 50–60 as principais festas de Caruaru era o Carnaval e a festa do Comércio. São João nessa época? Nem pensar.

Aliás, não da forma como a gente conhece hoje.

Prelúdio do São João

Acredita-se que já aconteciam festas juninas desde do início do século 20 (época da festa do Comércio inclusive). Mas até os anos 50 não existia nem sequer destaque nos jornais se remetendo ao São João. Na verdade até tinha um pouco, mas falando em festas fechadas de clubes sociais, ou em sítios e chácaras nas véspera do feriado de São joão e São Pedro.

Nessa mesma época da década de 50 mais ou menos, começa a aparecer muito pequeno e timidamente festas de bairro. Em paralelo a isso, existia essas comemoração na roça, na zona rural, mas com aquele formato bem familiar, privado.

Nessas festividades já existiam a presença de comidas típicas (pamonha, canjica, milho, angu, pé-de-moleque, etc.), fogueiras, fogos de artifício, bacamartes, e era muito comum a presença de bandas de pífano também. A presença do forró ainda não era tão forte, porque o forró enquanto soma de ritmos (baião, xaxado, arrasta-pé…) só se popularizou com Luiz Gonzaga dos anos 40 pra frente. As músicas eram basicamente cirandas, cocos-de-roda, mazurcas e brincadeiras de roda.

Essas festas iam até raiar o dia, e era costume das pessoas na zona rural caminharem longas distâncias entre os sítios de um local e outro, vulnerável a perigos tanto reais quanto fantásticos. Já se tinha nessa época aquelas histórias de malassombro do tipo “cumade-fulorzinha” e “mula-sem-cabeça” (risos).

Já as festas urbanas da década de 30 eram em clubes, animadas com bandas como a “Central Jazz”, “Batucada” que tocava músicas diversas, até porque o forró (como a gente conhece hoje) não existia ainda. Só depois dos anos 40–50 que Luiz Gonzaga popularizou o forró e virou uma marca nordestina. A presença da rádio ajudou muito a popularização do forró em Caruaru. A rádio Difusora por exemplo foi criada nos anos 50, uma época que existiam poucas rádios no estado de PE inteiro, caruaru era praticamente privilegiado. Pra melhorar, entre os anos 50 e 60 Caruaru já tinha 3 rádios: Difusora, Liberdade e Cultura.

Então até o início de 1960 já se tem a comemoração dos festejos juninos, de forma urbana e rural, nos anos 50 houve a aparição das quadrilhas juninas, e o forró de Gonzaga virou presença garantida como “ritmo oficial junino”. Mas ainda assim, não tinha lá a importância que tem hoje em dia. Até os festejos do centenário de Caruaru em 1957 tiveram muito mais notoriedade na mídia do que o São joão.

São João Urbano (anos 60)

A década de 60 foram uns anos onde a festas do Comércio e o Carnaval (principais festas da cidade até então) começaram a entrar em decadência, e o São João ganhar mais espaço como “festa da cidade”.

Foi nessa época também que o forró ganhou força, músicas em homenagem a caruaru começaram a aparecer (“A Feira de Caruaru” por exemplo já existia, fora composta no ano de 1956 e gravada por Gonzaga em 1957) e a serem difundidas nas rádios. Comunicadores das 3 rádios existentes começaram a criar espaços para forrozeiros e o forró, como Ivan Bulhões pela Rádio Difusora, Lídio Cavalcanti pela rádio Liberdade e os irmãos Onildo e José Almeida pela Rádio Cultura.

Até que em 1962, por uma iniciativa do setor empresarial, depois pelo poder público, criou-se o Concurso de Quadrilhas, modificando as comemorações juninas que passaram a ser tratadas de maneira mais profissional. A partir daí passou a existir dois eventos: “Campeonato de Quadrilhas” e “Rua de São João”, esse último era o nome dado à prática das pessoas de decorarem as ruas como comemorações de bairro.

A população se organizava e cada bairro fazia seu “palhoção”, tinha o Palhoção da rua Bahia, o Palhoção do bairro Petropólis e assim por diante.

Agora o São João Começa

Rua 3 de Maio, anos 70: arraial junino organizado pelas irmãs Lira (Acervo pessoal da família Lira)

Apesar de já existir essas movimentações juninas na cidade, foi a partir dos anos 70 que tudo começou mesmo pra valer. Em 1972, um cidadão chamado Agripino Pereira e sua mulher resolveram enfeitar a rua São Roque para comemorar o São João, e deu super certo, o pessoal do bairro adotou e gostou. No ano seguinte, Agripino tentou patrocínio com uma marca de bebida para ajudar na montagem das quadrilhas e cirandas, e foi a partir daí que a festa começou a acontecer na Rua São Roque todo ano.

rua São Roque (fonte: Facebook)

Antes de mais nada, o mais legal disso tudo é que era uma festa organizada pelo bairro, pelo povo, onde todos ajudavam: decoração, fazer comidas típicas e coisas do tipo, todo mundo ajudava. Eram cerca de 33 famílias e 1 comissão organizadora, onde Agripino foi o 1º presidente desse grupo.

Como era uma organização de bairro, eles não tinham palco, mas nomes como Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Azulão passaram por lá, mas nesse caso era em cima de caminhões.

O casal deixou a organização do evento quando foram morar em outro bairro e Agripino foi estudar odontologia. Foi aí que entregaram desde fotos até a organização toda para as irmãs Lira: Eulina, Juraci, Laurinda, Adélia, Odília e Marinete Lira.

As irmãs Lira logo viraram personalidades do bairro, porque sempre organizavam tudo e o São João passou a acontecer ao lado, na rua 3 de Maio, ao longo de seus 400m. A rua inteira virava uma festa só, com direito a balões, bandeirolas, comidas típicas e tudo mais. Todo ano a rua era inscrita no concurso de ruas mais ornamentadas, e sempre ganhava.

Arraial na Rua 3 de Maio, do ano de 1973, no Centro, organizada pelas irmãs Lira. (fonte: Facebook)

Existiam outras ruas, como o “Palhoção do Petropólis”, “Palhoção do Vassoural”, “Beira Rio” e por aí vai. Inclusive, o “Beira Rio” era organizado pelo radialista João Luis, que depois mudou de nome para “A Casa do Forró”, que ficava localizada ali perto da Casa dos Pobres. Com isso, começaram a trazer grandes nomes pra Caruaru como Elba, Fagner, Gonzaga até que a partir disso surge o Forrozão, em 1984.

A popularização do forró de Luiz Gonzaga foi adotada como música “oficial” do São João, por ter aquela valorização da cultura sertaneja, e consequentemente, Gonzaga passou a cantar por aí a fora, músicas que falavam sobre Caruaru. A aproximação entre uma coisa e outra foi acontecendo cada vez mais. Até que no ano de 1969, o vereador José Florêncio de Souza enviou a Câmara Municipal um projeto para conceder o título de Cidadão de Caruaru a Gonzaga, com o argumento de seus “relevantes serviços prestados a cidade”, justamente por causa dessa divulgação do nome de Caruaru através das músicas.

A entrega do título só aconteceu no ano de 1972, no qual já estava composta a música “Cidadão de Caruaru” (Caruaru, obrigado Caruaru / Se tou no Norte, se tou no Sul / Nunca me esqueço de Caruaru) do médico Janduhy Finizola, que foi gravada por Luiz Gonzaga em disco, no ano seguinte.

A essa altura, apesar de existir festas juninas em outras cidades, O São João de Caruaru já tava começando a pegar uma certa fama para pessoas de fora. Até que no final da década de 80, uma música em especial praticamente colocou a coroa de Capital do Forró:

CAPITAL DO FORRÓ
(Jorge de Altinho e Lindú)

Quem nunca foi já ouviu falar
Se você for vai gostar
Quem já foi volta sempre lá
Pra dançar forró no arraiá
Trinta dias antes do São João
As ruas já estão enfeitadas
Já tem milho verde na feira
A terra é de brejo é molhada
O velho carrega o bacamarte
O menino conserta a ronqueira
A moça faz um vestido novo
A velha atiça a fogueira
As rádios de lá saem pelas ruas
Não deixam o baião um minuto só

É por isso que Caruaru, é a capital do forró
É a capital do forró, é a capital do forró
(…)

Nenhuma música que falava de Caruaru, teve uma mensagem tão forte em relação a ela ser a capital do forró, e foi com isso que os jornais começaram a se referir nas matérias: “A partir desse sábado, Caruaru é a Capital do Forró”.

Anos 90

As festas mais tradicionais e conhecidas de Caruaru de antigamente que era a festa do Comércio e o carnaval, já não existiam mais. Sabendo disso, no ano de 1993, aquela festa super famosa da rua 3 de maio no Centro, organizado pelas irmãs Lira passa para as mãos da prefeitura. É a partir desse momento que o formato da festa muda, sai das palhoças de rua para festa-espetáculo. A Prefeitura transferiu o São João para a Avenida Rui Barbosa, depois para a Estação Ferroviária e depois para o Pátio de Eventos, e aí a festa já se configura como a gente conhece hoje em dia.

Fonte: G1 [https://g1.globo.com/pe/caruaru-regiao/sao-joao/2018/noticia/programacao-completa-do-sao-joao-2018-de-caruaru-e-divulgada-confira.ghtml]

Referências:

- SILVA. José Daniel da. Festas Boas de Caruaru.Da Conceicao a Capital do Forró (1950–1985).

--

--