Tavares da Gaita - O Inventor de Instrumentos

Frank Junior
A Ponte
Published in
4 min readApr 16, 2018

Um dos grandes nomes da música e da cultura popular de Caruaru, é o mestre da “sanfona de boca”: Tavares da Gaita.

Tavares da Gaita

José Tavares da Silva, nasceu em 10 de Março de 1925 em Taquaritinga do Norte, depois se mudou para Toritama, onde morou por 40 anos até chegar definitivamente em Caruaru.
Filho de Manuel Tavares da Silva e Maria Bezerra da Silva, José Tavares tinha a família toda ligada aos trabalhos no campo, onde só saiam as vezes para realizar negócios em Caruaru.
Essas viagens à Caruaru se tornaram cada vez mais constantes em meados de 1944 até ir morar de vez em 1957, logo depois do centenário da cidade.

O contato com a música vem desde criança, quando ainda com 13 anos de idade tocava surdo na Banda de Toritama e ainda fazia parte da Regional (também conhecida como “Banda Oferecida”) participando como percussionista.
Já em Caruaru, tomava conta de uma casa de jogos chamado Sinuca Caruaru até se decidir pela música na década de 70 quando encontrou um realejo numa gaveta. Realejo nesse caso é um tipo de gaita, no qual Tavares pegou, e praticou até aprender a tocar sem saber nada de teoria musical.

Com esses estudos com a gaita, ainda inventou um jeito novo de tocar, com a gaita invertida, sendo assim, o som se assemelhava com o de uma sanfona, e partir disso que José Tavares ficou conhecido como Tavares da Gaita.
Na década de 80, Tavares viajou por vários estados do Brasil com teatro Mambembe de Caruaru, onde criou e tocou vários instrumentos. Foi a partir desse envolvimento com o teatro caruaruense, que Tavares também foi um dos que participou das gravações do filme “A Peleja do Bumba meu boi contra o vampiro do meio dia“.

Além do virtuosismo com a gaita, Tavares também era artesão e desenhista. O desenho, sempre baseado em formas geométricas, era mais nos momentos de distração, mas os instrumentos, todos de percussão, são por volta de 100 que Tavares criou.
Inclusive, todos os instrumentos que Tavares usa são criados por ele, com matérias-prima de fácil acesso como quenga de coco, cano de PVC, madeira e coisas do tipo.
Dentre eles tem o “Acoquê”, instrumento formado por duas quenga de coco, com uma fenda no meio e umas bolinhas dentro. Um outro bem conhecido também é o “Bambu-reco-som”, uma espécie de reco-reco feito de bambu.

Para se ter uma idéia da grandeza artística de Tavares, ele ficou conhecido em vários países da Europa e dos EUA, inclusive o jornalista José Teles conta que no final de 1989 levou uns instrumentos de Tavares (dentre eles, um dos mais conhecidos, o Quenga-Som) para Naná Vasconcelos que na época morava nos EUA. Naná, olindense de peixinhos foi considerado como o melhor percussionista do mundo por 4 vezes consecutivas se não me falha a memória.

Inclusive, o próprio Naná conta numa entrevista ao Jornal do Comércio de 1991, que se Tavares tivesse nascido nos EUA certamente já estaria eternizado como um dos monstros sagrados do Jazz. Naná ainda conta que Tavares foi considerado pelo grupo deles (Grupo Mineiro de Música Aruanda) como o melhor gaitista do mundo, no gênero música regional, em 1988.
Um título desse vindo do melhor percussionista do mundo, não é pra qualquer um.

Em 2003, Tavares grava o seu 1º (e único) disco chamado “Sanfona de Boca”. Disco de forró instrumental, tendo a gaita como carro-chefe sonoro, naquele mesmo esquema, invertido, pra se parecer com uma sanfona.

Tavares faleceu em Caruaru, em Abril de 2009 com 82 anos, mas deixou o legado do disco, e dos instrumentos criados. Tavares mesmo sem conhecimento formal de música, inventou seus próprios instrumentos e inventou um novo jeito de tocar gaita.

No youtube tem um documentário curto que vale a pena assistir, sobre Tavares da Gaita, com depoimentos de Naná Vasconcelos:

No vídeo, Naná fala que o som de Tavares parece um som modernista, um som contemporâneo. O que me faz lembrar de Walter Smetak, um músico, professor e pesquisador suiço que se naturalizou brasileiro (em 1968).
Smetak não fazia parte da cultura popular, muito pelo contrário, fazia parte do ensino formal e intelectual. Tocava violoncelo na Orquestra Sinfônica, quando já morava na Bahia na década de 50.
Smetak foi uma das grandes influências para o pessoal da tropicália na década de 70: Gil, Caetano, Tom Zé e cia.

Além de contemporâneos (mais ou menos a mesma época, Smetak só era 12 anos mais velho que Tavares), o que um me faz lembrar do outro? Smetak também era inventor de instrumentos, criou um microfone de contato pro piano e vários outros, e tudo com materiais como PVC, cabaças e isopor, parecido com Tavares.

A arte as vezes têm dessas coisas, duas pessoas de lugares completamente diferentes, que nunca se conheceram, um do interior de PE, mal sabia escrever o nome, se torna um dos maiores gaitistas do mundo e inventor de instrumento com materiais simples como PVC e madeira. O outro, na suiça, que cresceu numa educação muito mais intelectualizada com conhecimentos formais, foi inspiração para o tropicalismo e também era inventor de instrumentos com materiais como PVC e isopor.

Tavares da Gaita é o nosso Walter Smetak e deve sempre ser lembrado como membro honorário da história cultural e musical de Caruaru, e assim como Smetak, deve ser lembrado também pela sua contribuição para a arte e música mundial.

Referências:

  • SILVA, José Marcos. JUNIOR, Eraldo de A. Valensa. Tavares da Gaita - Cultura popular e marginalização social em Caruaru.
  • LIMA, Marisa Alvarez. Marginália, Arte e cultura na idade da pedrada.

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