Um breve histórico dos cinemas de Caruaru

Frank Junior
A Ponte
Published in
8 min readSep 27, 2018

O Cinema surgiu criando e alimentando um apetite pelo espetáculo, oferecendo a possibilidade de se recriar o passado, reimaginar o presente, e visualizar o futuro, por via da arte. A data de 28 de Dezembro de 1895 é considerado o nascimento do Cinema enquanto expressão artística, porque foi a data que os irmãos Lumière fizeram uma exibição pública de produtos utilizando sua mais nova invenção, o Cinematógrafo. Surgiu nesse dia a tecnologia capaz de exibir projeções visuais para o que hoje nós chamamos de filme. Nesse dia em 1895, os irmãos Lumière exibiram o que seriam 10 curtas, na “Boulevard des Capucines” em Paris. Ou seja, o cinema não surgiu em Hollywood (que ainda não existia), e sim na Europa.

A partir disso, destacam-se alguns cineastas como Georges Méliès, o cara que gravou um dos clássicos pioneiros do cinema: “Viagem à Lua” (Le Voyage das la lune) em 1902. O filme de 14 minutos que tem a imagem clássica de um foguete atracado no rosto da lua.

Até aqui foi pra contextualizar e dizer que segundo Nelson Barbalho, o 1º cinema a aparecer em Caruaru foi nos idos de 1910, chamado de Cine Palace. O cinema, que era localizado na rua Vigário Freire, pertenceu ao coronel João Guilherme e parece que não durou muito tempo. Apesar que a primeira casa de exibição de Caruaru foi Cosmorama, em 1908, mas exibia apenas imagens estáticas, não pode-se considerar de fato um cinema.
Na mesma época existiu também o Cine Ideal, de propriedade do italiano Vicenzo Ponzo, e no final da década de 1910, ainda teve o Cine Jupi, e o Cine Luzo-Brasileiro. E o mesmo Vicenzo Ponzo teria fundado posteriormente, na década de 30, o Cine Modelo, em parceria com Aristo Fonseca.

Repare que os primeiros cinemas em Caruaru, apareceram apenas 15 anos depois da 1º exibição dos irmãos Lumiére em Paris, e 8 anos depois do 1º sucesso do cinema, de Georges Méliès. Isso é extremamente rápido e recente para uma arte que tinha acabado de surgir, no exterior (ou seja, bem longe daqui), e ainda numa época que não se tinha meios de comunicação tão rápido quanto hoje. Na verdade, não se tinha nem a invenção do rádio ainda (a primeira transmissão de rádio no Brasil só vem ocorrer uns 10 ou 15 anos depois). Só pra se ter uma idéia, 1910 é o ano do 1º filme (de 17 minutos) gravado em Hollywood, nos EUA, chamado de “Na Velha Califórnia”, de D. W. Griffith.

Apesar que no ano de 1908 já se tinha 20 salas de cinema no Rio de Janeiro (A primeira exibição de cinema no Brasil, foi lá, na Rua do Ouvidor, no centro do Rio, em 1896). Mas ainda assim, eu acho que Caruaru, por ser uma cidade do interior de Pernambuco, nessa época foi bem rápida, e se mostrou bem antenada artisticamente.

O primeiro cinema com registros fotográficos de Caruaru, foi o Cine Theatro Rio Branco, construído por Alfredo Ramos e Anselmo Freire em 1922. Esse cinema foi adquirido depois por João Condé (pais dos irmãos Condé), que fez uma reforma no telhado, colocou uns camarotes de luxo, galerias para músicos e cortinas de veludo. A reinauguração ocorreu em 1925, e já na década de 30 foi adquirido por Ismael Amorim que fez uma reforma na fachada, e reinaugurou o cinema com o nome de Cine Theatro Avenida. Esse cinema era uma das atrações mais charmosas da cidade, e uma referência arquitetônica.
Inclusive, os romances de José Condé, por se ambientarem em Caruaru na década de 20, tem o cinema como cenário de seus personagens.

O sucesso do Cine Theatro Rio Branco foi tão grande, que o comerciante Santino Cursino, inaugurava na praça José Martins, em 1939, o Cine Theatro Caruaru, com capacidade inicial para 1400 pessoas sentadas. Posteriormente, reformado com um 1º andar (chamado de “balcão) com capacidade para mais 200 pessoas. Reforma essa que se tornou uma polêmica depois, porque se espalhou um boato na cidade que esse “balcão” não aguentava o peso do povo, e podia desabar a qualquer momento. Santino teve que encher o 1º andar com saco de areia pra provar que a estrutura era firme, e reconquistou a confiança da população.

Em 1947, surgiu o Cine Theatro Santa Rosa, localizado na atual Praça Pedro de Souza (ao lado do que é hoje a Receita Federal, mas antigamente, aquele setor se chamava de “Baixinha do Capitão Iôiô”), com capacidade inicial para 1500 pessoas (foi depois dessa inauguração que Santino reformou o Cine Caruaru com o 1º andar, porque tinha sido superado em capacidade de lotação pelo Cine Santa Rosa). O Cine Santa Rosa foi construído por Victor Américo, empresário que também foi dono do bar/cabaré “Night Club”, ou como diria a música de Carlos Fernando: “No Night Club de Caruaru / era vida boêmia e noturna / da cidade luz”. Quem adquiriu o cinema depois foi seu Miguel das Molas que foi seu proprietário mais conhecido. Nos anos 40 e 50, era o Cine Santa Rosa e o Cine Caruaru que disputavam a preferências dos caruaruenses.

No meio dessa concorrência entre o cinema de Santino e o de Miguel das Molas, em 1955, Ivan Soares, Anastácio Rodrigues, e Assis Claudino, criaram o Cine Clube Caruaru. Um cinema de arte, voltado para estudos, rodas de conversa e debate que era localizado no auditório da novíssima Rádio Difusora (que tinha sido inaugurada 4 anos antes).

O próprio Santino Cursino ainda chegou a fundar um outro cinema na Rua Preta, no início da década de 40, mas durou pouquíssimo tempo. Existiu também o Cine Bandeirante, localizado na rua Joaquim Távora no bairro São Francisco na década de 60, e o Cine São José, localizado na rua Vidal de Negreiros que funcionou entre as décadas de 50 e 60.

Só em 1961 que apareceu o Cine Irmãos Maciel, dos proprietários Djalma e José Maciel, que aí eu já me lembro muito vagamente da entrada, localizado ali perto da atual prefeitura, ainda me lembro de uma escada caracol de metal toda trabalhada do lado direito da entrada, salvo engano. Mas que foi um cinema muito tradicional da cidade também.

Cine Maciel

O último cinema de rua de Caruaru, foi o Cine Grande Hotel que só veio aparecer nos anos 80, e aí já me lembro com uma nitidez melhor, cheguei a frequentar várias vezes quando era criança e adolescente. Não sei ao certo o ano de fechamento do cinema, mas vou arriscar aqui entre 2007–2008.

Hoje

Hoje em dia, sumiram todos os cinemas de rua da cidade, por causa dos “progressistas” como diria Nelson Barbalho. Depois do último cinema de rua virar igreja que foi o caso do Cine Grande Hotel, apareceu os cinemas dos shoppings, e ainda restou o Cine Max, um cinema pornô inaugurado em 2002, que fica de frente pra prefeitura.

Existe um filme clássico da década de 50, feito em Caruaru, acredito que o único que tem imagens em vídeo de mestre Vitalino, que é um documento extremamente valioso pra propagação cultural da cidade. Eu assisti uma vez lá no ABMAM (Associação dos Artesãos e Moradores do Alto do Moura) pelo projeto “Viva Vitalino”, que ainda bem, nada contra a maré desse “progresso” e acontece todo ano, mantendo viva as raízes culturais da cidade.

Também existe um documentário, que acredito eu, seja o único também com imagens audiovisuais de José Condé, onde eu tive a oportunidade de assistir graças ao meu amigo Walmiré Dimeron, na semana do centenário de José Condé, organizado pelo Instituto Histórico de Caruaru, e foi exibido lá no Armazém da Criatividade.

Na exposição fixa de Nelson Barbalho no Polo Comercial, tem uma sala exibindo ininterruptamente um documentário sobre Nelson Barbalho, acredito eu que seja o único com imagens audiovisuais do seu Nelson, é só chegar lá e assistir.

Mas todas essas produções audiovisuais, assim como outras mais recentes que foram produzidas em Caruaru como o filme “Ferrolho” por exemplo. Filme de 2012, direção de Ticiano Valério (de Caruaru), com cenas gravadas na “Comedoria Mulheres de Fibra”, que na época era em outro local, e se chamava “Centro Cultural Ed Bernardo”, no Alto do Moura. A trilha sonora do filme pra completar é toda feita com músicas de Thera Blue, artista também caruaruense. Ou até mesmo, o recente documentário sobre Onildo Almeida, gravado no atual “Comedoria Mulheres de Fibra”, no Alto do Moura. A direção fica por conta de Hélder Lopes e Cláudio Bezerra, os dois de Caruaru.

Essas produções e tantas outras poderiam estar sendo exibidas em [o que poderia ser] um dos melhores Festivais de Cinema do estado, em cinemas de rua quase centenários, com direito até a um cineclube de mais de 60 anos de idade, fora a paisagem arquitetônica digna de centros-históricos por aí (como Olinda-PE, Triunfo-PE, Ouro Preto-MG…), não é mesmo?
Óbvio que isso não é mais possível, Caruaru destruiu tudo em nome do “progresso”, mas esse pequeno exercício de imaginação de possibilidades, foi só pra mostrar um pouco do potencial e a rica história cultural da “Cidade dos Avelozes Esmeraldinos”, como diria Nelson Barbalho.

Referências:

  • KEMP, Philip. FRAYLING, Christopher. Tudo Sobre Cinema (sobre os dados cinematográficos)
  • Hélio Florêncio, do grupo Caruaru Arcaico. (sobre os dados caruaruenses)

--

--