Uma breve história de José Condé

Frank Junior
A Ponte
Published in
6 min readMar 19, 2018

Entre as muitas conversas de mesa de bar, geralmente sobre literatura, música e outras aleatoriedades, nesse dia me lembro que a conversa girava em torno de História e de livros. Até que em um determinado momento surge um protagonista na conversa: José Condé.
Ficamos ali horas falando sobre os livros de Condé, e eu mais precisamente ouvindo e aprendendo mais do que falando. Curiosamente não estávamos nesse dia na rua João Condé, onde geralmente costuma rolar esses encontros, estávamos na rua Minas Gerais, em uma bodega que foi criada na época da adolescência de Condé, na década de 30.

Como eu não sou de desperdiçar aprendizados de mesa de bar, fui pra casa com essa tarefa, ler José Condé.

José Condé

O apelido que virou nome

Prometo não voltar muito no tempo, mas o avô do escritor Álvaro Lins (Joaquim do Rêgo Barros) era amigo do avô de José Condé (José Florêncio de Sousa Pepeu) e brincava com José Florêncio chamando ele “gente do Mondé” (Mondé era um riacho no qual vinha a família de José Florêncio). Florêncio respondendo a brincadeira dizia que era do riacho mas tinha sangue azul, daí que o avô de Álvaro Lins dizia “ah, quer ser conde, é?”.
Bom, o povo entendia “Condé”, e daí José Florêncio ficou conhecido como “Zé Condé”.

O apelido pegou tanto que José Florêncio passou a chamar o filho João José da Silva Limeira (que nasceu em 1881) de “João Condé”, que por sua vez registrou os filhos oficialmente com o nome de Condé. Ou seja, o nome da rua “João Condé” em caruaru é em homenagem ao pai do escritor José Condé.

A vida de José Condé

José Condé nasceu em 22/10/1917 e morou parte da infância na famosa casa de nº 300 na rua da Matriz, construída pelo pai em 1925, e demolida na calada da noite pra se tornar o que é hoje um comum prédio comercial igual aos outros. Pois é, Caruaru derrubou uma casa da década de 20 pra transformar em um prédio comercial qualquer.

João “Condé”, o pai, gostava muito de cinema, chegou a adquirir inclusive o Cine Theatro Rio Branco mudando o nome para Cine Theatro Avenida, um dos principais cinemas de Caruaru que também ficava localizado na rua da Matriz, pertinho do Palácio do Bispo (que na época era chamado de Paço Imperial). Bom, nem precisa dizer o que aconteceu com o cinema né, virou loja, aliás, Caruaru hoje em dia nem cinema de rua tem mais.

Quando o pai de José Condé morreu em 1929, o irmão mais velho Elysio Condé levou os irmãos (José e João Condé) pra morar no RJ, e lá na cidade de Petrópolis, José Condé estudou no colégio Plínio Leite onde lá fundou o Grêmio Literário Alberto de Oliveira e dirigiu dois pequenos jornais (“Pra Você” e “Jaú”), onde publicou seu primeiro conto “Vinganca”.

Prestou vestibular pra Direito e por volta de 1937 publicou um poema na revista “O Cruzeiro” chamado de “A Feira de Caruaru”, que não se trata da música que nós conhecemos, pois Onildo só iria compor ela em 1956 e Gonzaga gravaria em 1957, ou seja, 20 anos depois do texto de Condé. E foi a partir desse texto que começou sua vida de literário.

Condé trabalhou um tempo como colunista num jornal chamado “O Jornal” escrevendo crônicas com o pseudônimo de Mr. Chips. A partir da década de 50 começou a trabalhar no “Correio da Manhã” junto com Álvaro Lins e nesse período ele manteve uma coluna chamada “Escritores e Livros”, que era por sua vez uma coluna super cobiçada pelos literatos brasileiros.

Além disso, José Condé era um autêntico boêmio, gostava de sair na noite do Rio de Janeiro e quando tava em casa, gostava de escrever na máquina de escrever ao som de Mozart, Bach, Schubert, Tchaikowsky, dentre outros, a depender de seu estado de espírito. Nas reuniões em casa, escutava muita música popular brasileira e frevo.

Livros e desdobramentos:

Em 1945 publicou o seu primeiro livro “ Caminhos na Sombra”, pela Editora José Olímpio. Em 1950 publicou o romance popular “Onda Selvagem”, tendo recebido através de Concurso o Prêmio “Malheiro Dias”, como segundo colocado. Em 1951 numa Edição do Jornal de Letras, publicou “Histórias da Cidade Morta”, tendo recebido o Prêmio “Fábio Prado”, da União Brasileira de Escritores de São Paulo. Em 1955, publica as novelas de “Os dias antigos”, que logo depois junta num só volume essa edição e “História da Cidade Morta” num volume chamado de “Santa Rita” (em 1961).

Em 1959 publicou a Novela “Um Ramo para Luisa” e em 1960 lançou “Terra de Caruaru”. Em 1962 publica a novela “Vento do Amanhecer em Macambira”, laureada com o prêmio Luiza Cláudio de Souza. Em 1962, participa junto com outros autores como Jorge Amado, Guimarães Rosa, Rachel de Queiroz e inclusive com João Condé, seu irmão, do romance “O Mistério do MMMs”. Logo depois, outros livros vieram como “Noite contra Noite”, as novelas “Os Dez Mandamentos”, “Pensão Riso da Noite: Rua das Mágoas (cerveja, sanfona e amor)”, “Como uma tarde em dezembro”, “Tempo, Vida, solidão” e o conjunto de novelas “As Chuvas”. Essas duas últimas obras foram escritas já no leito de morte.

Uma grande homenagem prestada a Condé foi a inauguração da Casa de Cultura José Condé, em Caruaru, pertinho da feira. A Casa foi inaugurada pelo então prefeito Anastácio Rodrigues no ano de 1973.

Casa de Cultura José Condé - Caruaru

José Condé foi um escritor muito importante não só da literatura caruaruense, mas nacional. Escritores como Jorge Amado, Gilberto Freyre, Guimarães Rosa eram todos admiradores de Condé. Inclusive, a edição de 50 anos de “Sagarana” (originalmente publicado em 1946) de Guimarães Rosa, pela editora Nova Fronteira, vem com uma carta que Rosa escreveu para Condé revelando segredos de Sagarana, capítulo por capítulo .

A importância de Condé para a literatura nacional era tão importante que houve repercussão até na dramaturgia, com a minissérie da rede Globo “Rabo-de-Saia” que engloba a obra “Pensão Riso da Noite: Rua das Mágoas (cerveja, sanfona e amor)”.

2017 foi o ano do centenário de José Condé, e o Instituto Histórico de Caruaru promoveu um evento em comemoração, e dentre os acontecimentos, foi lançado o livro resultante da tese de doutorado do prof. Edson Tavares sobre a obra de Condé, com o nome de “O Nome do autor: O caso José Condé”. Uma pesquisa de extrema importância não só para a academia (que é carente de artigos científicos sobre a obra de Condé), mas para a história de Caruaru e da literatura nacional.

“O Nome do autor: O caso José Condé” — Edson Tavares

Encerrando as atividades do centenário, foi lançado um outro livro, já agora em 2018, também pelo Instituto Histórico de Caruaru (e pela editora CEPE) contando a biografia de José Condé, escrito por ninguém menos que Nelson Barbalho. Sim, Nelson Barbalho quando morreu deixou vários livros inéditos nunca publicados, e esse é um deles.

Em resumo, a obra de José Condé foram 12 livros (na verdade 11, porque o “Santa Rita” engloba dois), mais o “Mistério dos MMMs” que ele participou junto com outros autores:

Caminhos na Sombra (1945)
Onda Selvagem (1950)
Histórias da Cidade Morta (1951)
Os Dias Antigos (1955)
Um Ramo para Luísa (1959)
Terra de Caruaru (1960)
Vento do Amanhecer em Macambira (1962)
Os Sete Pecados Capitais (1964)
Noite contra Noite (1965)
Pensão Riso da Noite: Rua das Mágoas (1966)
Como uma Tarde em Dezembro (1969)
Tempo Vida Solidão (1971)

Conclusão

Eu não abordei aqui nesse texto, nem metade dos detalhes da vida e obra inteira de Condé, até porque precisaria de mais uns 10 textos desse pra abordar tudo, eu diria que foi uma escrita até apressada. Mas a idéia é servir de trampolim para um mergulho mais atencioso e calmo nas obras de Condé. E espero que mais conversas de rodas de café, calçadas e mesas de bar permeiem as margens da literatura de José Condé.

Referencia

TAVARES, Edson. “O Nome do autor: O caso José Condé”

--

--