Visite Jundiaí, A Seattle Brasileira Records - cap. 09

Jota Wagner
A Seattle Brasileira Segundo Jota Wagner
4 min readFeb 18, 2016
Jana, Tatiana e Fernanda cuidando da produção da VJASB Records

A história de que Carlos Eduardo Miranda havia inventado uma cena em Porto Alegre está imortalizada no documentário “Sem Dentes”, produzido pelo Ricardo Alexandre em 2014 para contar a o causo da Banguela Records, braço da Sony para o mercado alternativo e… bem, assistam!

Acontece que esta lenda ja circulava em Jundiaí nos anos 90, contada pelo Ricardo, pelo Carlos Primatti e pelo próprio Miranda quando visitei a revista General e uma outra vez quando o encontrei na gravadora Trama. Pelo jeito, ele contava esta história pra qualquer um.

A frase “visite Jundiaí, a Seattle brasileira” apareceu como um slogan para a demo Shock Suspenstories. Uma brincadeira explicitamente irônica ao comparar Jundiai com Seattle. Burt Reynolds com Nirvana.

Estamos finalizando, lá no atelier do Cobiaco, a arte da demo quando deu na telha e falei “bota aí: Visite Jundiaí, a Seattle brasileira!”

Esta frase foi colocada no rodapé da nossa demo, cuja capa era toda “engraçadinha”.

Foi ao ver o slogan que o Ricardo disparou: “vocês devem colocar isso em todas as demos de Jundiaí e criar a Visite Jundiaí A Seattle Brasileira Records”. Genial!

Assim seria criada uma identidade. Uma assinatura. Um movimento. Uma identidade zoeira, mas uma identidade.

O momento era propício e muito interessante. Meia dúzia de bandas, bastante unidas, davam a cara de um coletivo (termo que não existia mas a idéia sim) ao lance.

As bandas, porém, eram totalmente diferentes uma das outras, musicalmente falando. E as demos que estavam sendo gravadas anunciavam isso.

Não éramos como Seattle. Éramos melhores do que Seattle. Tudo era bem mais divertido e alto astral aqui do que lá. Tudo bem que a falta de heroina ajudou.

Além do já citado industrial do DVG, do guitar rock do Burt Reynolds e do speed Rock alternativo dos Cleggs, havia o hardcore do Charlie Road e do Astrofuckelroy (“pinga!! Cachaça!!! Fornecer um my brain!”). O Synth pop do Towards the Cathedral e o rockao pesado do Crush Junk.

ter um restaurante dependurado numa torre é moleza. Quero ver ter as bandas que a gente tinha.

Ok, era tudo rock. Mas eram diferentes escolas de rock.

Como organizar isso?

Esta era a parte difícil. Mas como fanzine era o lance para divulgar tudo o que deveria ser divulgado, falei com as bandas de criar um zine-catálogo.

Gostaram todos da idéia. Estava criada a VJSB Records…

…então contamos pra todo mundo.

Pra mostrar pra geral nossa diversidade, incluimos no catálogo a obra do primeiro artista indie da região, mr. Noel Serturbano Fernandes.

Começamos a reunir o material das bandas e acionei o Havengar, designer oficial da turma e editor do fanzine Hemaditrose, que rodava a cidade na época.

A ideia era usar a nossa network postal para incluir o mini fanzine nas correspondências. Ao recebê-lo, o freguês podia “ler” sobre as músicas e encomenda-las. A banda vendedora enviaria a fita e ficaria com o dinheiro. Simples assim.

Não havia comitê de gestão, CEO , A&R… Era tudo eu com a ajuda do Gustavo. Neste ponto a coisa do “coletivo” não foi tão coletiva assim. Mas tambem não me lembro da gente ter pedido ou até mesmo envolvido o resto do pessoal na parada. Na pressa e no deslumbre de ver tudo rolando, usava todo o tempo livre na administração da companhia.

Soa arrogante dizer isso, eu sei. Obviamente que idéias vinham de todos os lados. Nas conversas entre as bandas, na rua ou no blackout, só se falava disso.

Mas a concretização do bagulho seria monocromática. Uma vez que surgiu a idéia do catálogo, falei com as bandas, escrevi os textos, descolei as fotos, paguei o xerox…

Não pedi e nem cobrei a ajuda de ninguém. Fiz porque queria fazer mesmo. Como eu tinha trânsito livre na casa e nos ensaios de todo mundo, ficava mais fácil.

Ajuda real mesmo, de gastar talento e tempo, que lembro foi mesmo a turma de Pombaland, Gustavo e Havengar.

De resto, o que rolou foi apoio moral: “que legal Wagnao, é isso ai!”. Sem problemas, porque até aqui, não havia ranço e dor de cotovelo da minha parte.

Quatro parágrafos acima, eu disse que a concretização seria monocromática porque o catálogo nunca saiu. Deu treta, como veremos lá na frente.

De momento, basta dizer que a idéia da Seattle Brasileira se espalhou muito rápido, junto com as demos que viajavam via correio para o resto do país.

De todo o lado vinham comentários. Cidades vizinhas ficaram enciumadas. O Wander (DJ Wander A) foi assistir à pré estréia do filme Hype, que falava sobre a cena de Seattle. No final do filme, ao acender das luzes, o cara da poltrona da frente virou pro amigo e falou “parece que Jundiaí é meio assim, né”.

Tá com tempo? Aqui tem o filme Hype inteirinho pra assistir.

A troca de idéias nos shows fora de Jundiaí era frenética. Para todos os efeitos, éramos sim a Seattle brasileira. Quando alguem mais curioso perguntava “Sério mesmo? É quente deste jeito?” , eu respondia “se liga meu!! é lógico que não”. Mas pelo jeito tinha gente que não acreditava.

Para nós era tudo divertido demais!

--

--

Jota Wagner
A Seattle Brasileira Segundo Jota Wagner

músico tosco, empresário mau sucedido, pensador burro, modelo e atriz