A Dança das Mãos

Natan Andrade
Revista Simbiose
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2 min readApr 17, 2018

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Enrosco as palavras bêbadas em seu pescoço, que sorvem os tragos do seu suor. Faz frio em Brasília e você pinga neste boteco. Nossas mãos esgueiram-se por baixo da mesa, encontrando o caminho que querem, buscando sentir o romance no bar. Um boteco de merda na asa norte que vibra a cada movimento seu. Aquela mesa escura, nossa mesa mal-iluminada, era palco de devaneios enebriantes sobre o hoje e o amanhã. E ainda era uma e cinquenta e três da madrugada.

A última mesa. Nesta cidade, fecham cedo os bares e as canções. Peço mais uma cerveja para nós dois, o último gole de você. O garçom se afasta para me trazer mais. O tempo do magricela dar de costas e ir até a geladeira buscar mais um litro é o cronômetro para que aumentemos nosso ritmo. A mão esquerda não tarda em participar da festa como pode e, num ritmo descompassado, leva o copo às nossas bocas. As outras mãos festejam debaixo da madeira.

A conta. Você encosta a cabeça para trás, desejando nunca sair daquele boteco, mas ainda hoje você voltaria fedendo a cachaça, encontrando alguém mais são. Eu não. Você levanta e bamboleia no caminho do banheiro, sem olhar para trás. Volta com dinheiro contado — quem tem notas trocadas hoje em dia? — e se despede com um beijo seco em minha testa.

Sozinho, peço ao dono do bar outra bebida, mas a saideira chegou há algumas cervejas. Ele anuncia a expulsadeira, entidade só alcançada pelos errantes, sedentos em boemia, praticantes da mais alta botecagem, aqueles a quem a madrugada insiste em abraçar. Mas eu não tenho aonde ir e os dedos coçam. Preciso de mais uma ou mais uma dúzia pra me sarar.

Você e o alcool são uma combinação desgraçada. Tiro uma caneta do bolso e anoto um verso:

Se beber, não dirija (a mim a palavra).

A essa hora, você deve ter desmaiado no táxi, deixando tudo o que aconteceu como um sonho maldito. Já eu, aproveito a distração do Senhor Botecal e dou o pé dali, sem pagar minha parte. Abandono nossa mesa como quem deixa a bituca de cigarro para trás. Nunca mais vou volto nesse bar. Opa, nessas horas bêbadas sempre me surgem versos interessantes. Deixo registrado:

Vão-se os goles, fica a ressaca.

Que merda. Amanhã eu reviso.

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Natan Andrade
Revista Simbiose

Escrevo histórias de amor, de boteco e mais algumas coisas.