Algo seu ficou em mim

Natan Andrade
Revista Simbiose
Published in
2 min readMar 21, 2018

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Algo seu ficou em mim. Despreparado, imaginei que fosse paixão, mas era pior. Foi seu gosto que permaneceu, líquido, levando embora como enchente tudo o que antes eu jurava ser.

Logo eu, militante do Partido do Amor, acordei querendo apenas beber do seu suor, fazer da sua barriga pista madrugada, onde a boca segue, bêbada e imprudente, sem preocupar em cair no abismo. Nem pensei em mãos dadas, restaurante ou cinema. Meu único desejo é de me jogar da ponte entre seus joelhos, sentir unha, cantar suspiros. Nunca mais o “Eu te amo”, para sempre o “vem”, sem saber nome, número e endereço.

Até ontem, poeta caído, esparramava versos ruins de amor eterno, maldizia a geração que não se entrega às relações profundas e me derretia em cada possibilidade de encontrar companhia eterna. Hoje, já não sinto nada disso.

Seu gosto ficou em mim, mas você foi embora. Sem nome, número e endereço. Por isso, vou me desvairar nas noites febris, desgraçar minha cabeça no álcool, como naquela canção sertaneja genérica, para buscar novamente o gosto, líquido, que traga a enchente que vai me levar, me banhando em sorrisos falsos e juras de lençol. Para ter novamente esse gosto, vou ao mercado das bocas, vender a minha preço de custo. Vou buscar em todo canto, sair deixando um pouco de mim em outras pessoas. Vou colecionar outros gostos como o seu.

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Natan Andrade
Revista Simbiose

Escrevo histórias de amor, de boteco e mais algumas coisas.