Cê besta, trem!

Tem plano infalível e tem plano que foi feito pra dar errado.

Letícia Gontijo
Revista Simbiose

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Minha família por parte de mãe é quase toda mineira, inclusive ela, que nasceu em uma cidade que nem existe mais de tão pequena. Eu nasci em Goiânia e me mudei pro Maranhão com 20 dias de existência terrestre, mas quem mais influenciou meu jeito de falar foi minha progenitora.

Dizia “me acode” no lugar de “me ajuda”, eu “aprumava” ao invés de acordar e dizia “curuis” no lugar de “cruz credo!”, que por si só já é uma expressão bem mineira.

Eu mal tinha nome, era chamada de “Bruaca”. Ou “Bruaquinha”, quando eu fazia algo fofo como colher todas as flores que minha avó passava horas cultivando para presentear ela mesma.

Ouvi muitas vezes que não tinha “brio”, que é algo como não ter a tal vergonha na cara ou receio de aprontar. Quando caía, diziam que eu apenas “tropiquei” e pra ir embora da casa da vizinha chata (mas que tinha uma filha legal com quem eu brincava) minha mãe dizia que “tá de com jeito de chuva”. Isso poderia ser normal, se não morássemos em Imperatriz, onde o sol tá sempre “pelando”.

Boa parte da minha vaidade ficou no Maranhão, com todas as maquiagens e sapatos da minha avó que eu usava sem o consentimento dela. Em um belo dia, estava disposta a aprontar uma com minha mãe e bolei o seguinte plano:

Me maquiar bastante, usar um salto desses que podem causar problema no tornozelo e quando minha mãe disser “você não tem brio na cara não, sua bruaca? ”, vou dizer que tenho, afinal, tem vários brilhos na obra de arte moderna que enfeitava meu rosto.

Preparei tudo. Me escondi. Aguardei o melhor momento. Quando ela chegou em casa, lá estava eu sorrindo, toda pintada, me achando linda e uns cinco centímetros mais alta. Meu plano deu certo. Ela perguntou justamente o que eu queria.

“Você não tem brio na cara não, sua bruaca?”

Respondi exatamente como ensaiei por horas no espelho que mal alcançava, mas meu plano tinha um problema: achei que estava tão maravilhosa que minha mãe não teria coragem de brigar comigo. Mas ela teve, embora eu repetisse “mas você sempre quis que eu tivesse brio na cara!” com toda cara de piedade que conseguia fazer. Além da bronca, tive que tirar a maquiagem como quem tem que tirar algo importante do coração, como quem ganha um autógrafo do ídolo no braço e tem que tomar banho em seguida.

Depois de tudo, só ficou uma dúvida: eu tenho ou não que ter brio na cara, mãe?

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