Então você quer escrever?

Paulo Sales
Revista Simbiose
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3 min readSep 20, 2016

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Coincidência ou propósito é fato que os dois maiores influenciadores do pensamento ocidental não deixaram absolutamente nada escrito: Sócrates e Jesus. Mais que similaridade entre ambos é necessário fazer paralelos para entender porque ambos não se rebaixaram ao papel e caneta como forma de conservação do pensamento; seria a tradição oral mais importante que letras e um amontoado de palavras? Jesus e Sócrates, cada qual à sua época não moveram nada para escrever absolutamente nada.

Sócrates não se atinha à arte da escrita — embora haja boatos que em seus últimos dias de vida na prisão escreveu poemas como forma de passar o tempo — era muito mais adepto do discurso e notavelmente um orador exímio e satírico com as palavras. Constantemente era visto nas imediações de Atenas bebendo vinho com a juventude e desafiando os sofistas em cada esquina que adentrava. Fazia da sua fala um arauto do seu pensamento e quando não possuía mais recursos se calava.

Platão, o seu discípulo mais notável não conseguiu resistir á tentação da escrita e escreveu muito mais que o seu mestre, mas notadamente fazia isso com ar de fracasso — já que não conseguia ser tão genial e lúcido quanto o seu mentor. Da mesma maneira os discípulos de Jesus não resistiram e escreveram muito para solidificar ideias e manter viva a tradição cristã, assim o cristianismo tomou ares de um amontoado de regras e leis que em nada se parecem com a essência de liberdade apregoada pelo Messias, exceto pelo fato de transcrever com clareza as palavras sutis.

Em tempos de burocracia em cartórios e órgãos públicos, é impossível compatibilizar a ideia que os povos antigos mantiveram vivas as tradições somente pela tradição oral, repassando de pai para filho as histórias de seu povo e contabilizando nominalmente todos os seus heróis do passado. Claramente havia mais valor naquilo que se falava do que naquilo que se escrevia. Acreditavam que o menor caminho entre o coração e a matéria era a fala e a escrita cabia somente em último caso.

Existe valor na escrita? Claro que há. Reconhecidamente é uma das atividades intelectuais mais primárias que se tem notícia, porém a banalização da escrita e a facilitação da publicação de livros e revistas deu voz aos escritores sem alma, sem conteúdo. Formulam teorias inteiras através de um amontoado de letras. Claramente não possuem paixão e nem profundeza em seus diálogos mais triviais, não são capazes de seduzir ninguém diante de uma platéia atenta.

Isto me fez lembrar uma palestra que assisti de um aclamado teólogo recorde de vendas e sucesso no YouTube. O cara não conseguia responder mais de 2 minutos sem fazer uma tremenda confusão mental das suas ideias. Seria ele um impostor, um exímio plagiador ou um mal orador? Definitivamente não sei, mas a imagem que fica é a do escritor sem alma, sem nexo, sem paixão. Escreve porque escreve, é porque é; se lhe tiram a caneta e o papel não são capazes de explicar o que fazem.

O escritor é um disseminador de pensamento, da essência e principalmente de fronteiras entre o pensamento e a escrita. Que antes de escrever qualquer coisa sejamos propagadores de filosofias, desbravadores do pensamento e amigo da irreverência, senão seremos uma geração que escreveu muito, escreveu tudo e não deixou nenhum legado. Nada profundo, nada relevante. Apenas cópias mal feitas de Stephen King e Jojo Moyes.

Paulo Sales ©

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Paulo Sales
Revista Simbiose

Eu sei uma ou outra coisa sobre teologia, religião e comportamento.