Nossa obsessão por “Viver Intensamente”
Como o modo de vida Carpe Diem está nos matando.
Segundo a Wikipédia Carpe diem é uma frase em latim de um poema de Horácio, e é popularmente traduzida para colha o dia ou aproveite o momento. É também utilizado como uma expressão para solicitar que se evite gastar o tempo com coisas inúteis ou como uma justificativa para o prazer imediato, sem medo do futuro.
Nossa geração desenvolveu ao longo das últimas décadas uma visão utilitarista de mundo, ou seja, a obsessão de empregar o tempo de forma produtiva e compensadora, e esta obsessão faz com que você sinta estar jogando tempo fora trancado dentro do escritório, quando na verdade poderia estar sentado no sofá da sua casa assistindo Netflix; faz com que você sinta se culpado por estar sentado no sofá quando na verdade deveria estar estudando para a prova da próxima semana; faz você sentir que ao invés de estar estudando para a prova, deveria ir ao churrasco com a galera; faz você sentir-se mal por estar no churrasco, quando tem aquele livro bom para ler; faz você se sentir mal por estar lendo um livro, quando na verdade deveria estar aproveitando a companhia dos seus amigos.
Esta maneira ocidental e capitalista de encarar o relógio é ao mesmo tempo neurotizante e envelhecedora, gerando uma culpa exacerbada no esforço incessante no sentido de não termos em momento algum todo tempo disponível de maneira proveitosa.
Essa bipolaridade entre produtividade e satisfação imediata está baseada em basicamente duas crenças. A primeira está fundamentada na crença de que tempo perdido é todo o tempo que você não gasta fazendo o que gostaria de estar fazendo, e a segunda é o modelo mecanicista “capitalista” de que tempo perdido é todo tempo que você gasta não fazendo alguma coisa. Quando entramos nessa engrenagem vivemos constantemente pensando em formas de como aproveitar melhor o tempo, lendo livros de auto-ajuda, assistindo vídeos no Youtube e no final das contas nos frustramos porque nunca conseguimos fazer o que realmente queremos de forma produtiva.
E a consequência disso?
A consequência é nunca estar disponível em nenhum momento em lugar nenhum. É quando criamos a idolatria do instante perfeito.
A IDOLATRIA DO INSTANTE PERFEITO
Nossa visão mecanicista de mundo “viva intensamente” é baseada na ideia de que quem coleciona momentos bons é quem realmente está vivendo, é como um check list do aproveitamento perfeito do tempo. Viagem para os EUA? Confere. Mestrado? Confere? Casamento feliz? Confere. Foi para Disney? Confere. Já passou seu réveillon no Copacabana Palace? Não! Você precisa viver cara, precisa ter um álbum de Instagram para ostentar de maneira correta o quão bem você está ‘vivendo’.
Estamos evitando olhar o vazio do tempo, estamos preenchendo o vazio com atividades e concentrando nossa atenção em outras coisas que poderíamos estar fazendo naquele exato momento. E assim nos reservamos somente em determinados momentos para determinadas pessoas, não nos disponibilizamos 24 horas por dia pra viver o momento e de modo geral usamos no nosso vocabulário palavras como sucesso e prioridades. Não dedicamos à família o mesmo tempo que dedicamos ao colega de trabalho, não dedicamos aos amigos o mesmo tempo que dedicamos para o chefe da empresa, na verdade não nos dedicamos a nada inteiramente, estamos apenas montando planilhas imaginárias daquilo que tem de ser feito entre hoje e amanhã, amanhã e depois de amanhã.
Vamos ouvir nossos amigos falando enquanto mexemos no celular, vamos conversar com a nossa família com a mente vagueando entre projetos pessoais e as obrigações do trabalho. Não estamos disponíveis para o momento — e não precisa que ninguém saiba disso, afinal de contas a outra pessoa também não está disponível integralmente para o momento.
A farsa nos poupa de maiores constrangimentos, é mais fácil ambos lidarem como marionetes do que verdadeiramente se entregarem de corpo e alma para o tempo ali presente. Estamos caminhando eternamente entediados e esmagados pela claríssima convicção de que poderíamos estar fazendo algo mais útil pelo bem da humanidade ou pela nossa felicidade.
Estamos todos lutando pela pela mesmíssima razão: “viver intensamente” e eternamente distante de tudo e de todos; colecionando momentos de Facebook e sorrindo para fingir o Carpe Diem.
Paulo Sales ©
nota 1. — texto baseado no quinto capítulo do livro do Brabo, Em 6 passos o que faria Jesus.