Nem sempre dá pra entender

NSDPE — 5. A pequena distância

Fabio Penna
Revista Simbiose
Published in
2 min readNov 18, 2016

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“Num mundo que dificilmente mudava, o ontem ainda estava a pequena distância” — Jean-Claude Carrière, A Linguagem Secreta do Cinema

Camperine acordou com o sol que passava pela fresta dos galhos naquela manhã. Logo avistou Watt se comunicando com uma nativa através de olhares. Evitou levantar e aproveitou que Ferrus estava dormindo para apreciar o silêncio e aquelas perguntas que um fazia ao outro em pequenos gestos do rosto. Estavam apaixonados, era bem nítido. Camperine não sabia explicar como chegou àquela conclusão, mas ele tinha certeza.

- Porra nenhuma, Campa! — disse Watt

- Como não? Vocês estavam se olhando profundamente. Tinha a viscosidade do amor. Eu vi! Tenho certeza!

- Curiosidade, cara. Ela é verde, óbvio que… cara… é mesmo… ela parecia apaixonada. Puta merda, que chance eu perdi! Ela era linda. Verde e linda!

- Vocês vão se encontrar depois?

- Ah, claro. Marcamos no bar, às oito. — ironizou — Tá maluco, cara, a gente tá num lugar maluco sem saber a hora nem como se comunicar.

Os gritos de Watt acordaram Ferrus, que quis saber o que acontecia. Depois de explicar, Camperine quebrou três cocos para que servissem de café da manhã. Abastecidos, os três foram peregrinar pela ilha para descobrir o que havia em seu outro lado.

A vida pareceu bem normal durante o trajeto. Pessoas verdes andando de um lado para o outro, carregando coisas.

- Já notaram que esses caras levam umas coisas estranhas? — perguntou Ferrus

- Eu achei esquisito as TVs nos galpões. — respondeu Camperine

A dúvida fazia todo sentido, e cada vez mais eles viam pessoas carregando objetos que não deveriam fazer parte daquele lugar. Quando apontaram em outra praia, avistaram um navio carregado de contêineres sendo esvaziado pelos locais.

Além de TVs, tinham bicicletas, mangueiras, baldes e muitos barris de petróleo. As pessoas formavam uma fila para retirar os objetos com a ajuda de pequenos carros feitos com pedaços de bicicletas. Aquela visão deixou os três com um certo medo. Afinal, era o mundo real de volta, o perigo de volta.

Esconderam-se num jardim e ali observaram em silêncio aquela movimentação. Ficaram horas ali tentando entender o que acontecia ou ver alguém que não fosse verde.

- Já pensaram que se tiver alguém de fora aqui, é nossa saída? — perguntou Watt

- Claro, Watt. E ele ia ficar muito feliz de levar de volta três pessoas que testemunharam o trabalho de seus escravos de uma espécie desconhecida da ciência. — respondeu Ferrus

- O negócio aqui é sério, cara. — completou Camperine

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