Assombração

Saia do meu bar, por favor.

Natan Andrade
Revista Simbiose

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— E aí, patrão! Manda o quê hoje?

— Litrão, Jonas.

— Uêpa, e cadê a dona?

Cadê a dona? Eu não sei, Jonas. Não quero saber.

Eu vim beber sozinho. Estranho, não é? Para mim também.

Vim beber e pensar. Pensar no trabalho, na oportunidade de mudar de trabalho ou apenas nas coisas que me dão trabalho. O dia-a-dia é assim, não é? A gente finge que se importa muito com os grandes dilemas da vida mas o que temos sempre são frivolidades dando porradas na nossa cachola. Certo?

Mas as coisas não são simples. Nunca são. Entre a terceira ou a quarta garrafa de cerveja, você apareceu. Merda.

– Oi, Rafa, tudo bem?

– Tudo bem — Eu tô tão bem quanto a situação econômica do país, pensei.

Juliana (prepare-se para ouvir esse nome muitas vezes) puxa a cadeira e senta, ou já estava sentada, sei lá, só sei que os olhos de azul-chuva me inundaram por inteiro. De repente, foi como no primeiro date. Ela de amarelo, eu de marrom.

– E aí, como tá a vida?

– Na mesma. E a sua?

"Eu vim aqui destruir seu bar", foi o que imaginei.

O último recanto do guerreiro, o lugar em que eu comecei a frequentar sozinho para martelar a paz de espírito. Mas eu sabia, lá no fundo eu sabia, que quem me apresentou o bar foi ela, que cada litrão de cerveja trazia sua assinatura, que as cadeiras de plástico exalavam o doce eau de parfum de Juliana. Quem eu quero enganar? Eu vim aqui para te encontrar, pessoalmente ou não.

Juliana, eu te amo e te odeio.

Acho que todo grande amor passado tem dessas, de te fazer a melhor pessoa no mundo e depois te jogar para sete palmos do chão.

Você me perguntou com tá a vida, eu te conto, Juliana.

A vida, Juliana, tá uma porra, Juliana. Você quer mesmo, saber, Juliana? A vida é miserável. Eu não aguentava mais ficar contigo, mas o seu cabelo embaraçado, cada fiozinho dele me convida para dançar, Juliana. Você fez minha vida virar um mar de sorrisos amarelos e de "eu precisava de um tempo para mim", Juliana. Eu me obriguei a excluir fotos, Juliana, aquela selfie linda em Maragogi, porque você estava nela. Mas você não estragou a foto, Juliana, a foto é que perdeu o prazo de validade e eu tive que descartar. E você sabe a merda que é descartar coisa que ainda tá boa mas com o prazo de validade vencido. Não é, Juliana?

A verdade, Juliana? A verdade é que eu não te amo, mas que tem um pedaço de você ainda grudado em mim como chiclete mastigado no cabelo, Juliana.

Ju-li-ana.

Olha o que sobrou de mim: pareço aqueles poetas merdas do Instagram, Juliana. Pera aí, eu até escrevi um haikai pra você:

Juras que não me ama

Mas julho me lembra tu

Juliana

– Vamos tomar mais uma?

Mais uma? Porra, eu tô aqui desde às sete e trinta e três. Você acabou de chegar, ou estava aí o tempo todo, sei lá. Só sei que são meia noite e o Jonas tem que fechar o bar. Vamos, vamos embora. Eu peço o Uber pra você.

– Patrão, tamo fechando.

O Jonas chegou com a conta. Sete cervejas e duas cachaças, todas eu tomei sozinho. Contemplei triste a conta, não pelo fato de estar sozinho ou de já ter estourado o limite do cartão, nada disso.

Você não sabe, Juliana, porque você não tem que se despedir, Juliana.

Essa conta era uma carta de adeus.

Não da noite, nem do mês. O saudoso Bar dos Amigos da quadra ao lado estava assombrado, e eu ainda não sabia lidar com esses fantasmas.

Olho para os lados. Vai doer, mas outro boteco pano-sujo vai aparecer. Um dia, andando por uma quadra desconhecida, eu vou achar um boteco gente boa, com gostos parecidos, com um cheiro agradável e que traga uma conta justa no final, Juliana.

Afinal, eu sou solteiro e tenho mais vinte e cinco anos antes da velhice bater com certeza. Eu tenho o mundo a minha frente, outro bar vai aparecer, Juliana.

— Ouviu, Juliana?

Falo, em voz alta, dessa vez, mas não há ninguém na mesa além de mim. Nem no bar, que o Jonas já começava a fechar.

Fica com o troco, Jonas, e até nunca mais.

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Natan Andrade
Revista Simbiose

Escrevo histórias de amor, de boteco e mais algumas coisas.