Pornografia, comédias românticas e redes sociais

A sociedade do espetáculo: produtores e consumidores.

Paulo Sales
Revista Simbiose

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Inegavelmente nós seres humanos ocidentalizados e inseridos no capitalismo estamos perdendo a capacidade de dizer não e paralelamente estamos produzindo uma pseudo realidade e acreditando nela de forma terrivelmente achacadora.

Atualmente vivemos em estado de contemplação de imagens, consumimos o imaginário das coisas e assim garantimos uma sociedade baseada no espetáculo e no consumo de algo que jamais ocorrerá. A engrenagem do consumo não se resume mais apenas ao mercado de consumo de mercadorias, porém tem tomado formas das mais variadas espécies e sorrateiramente lançado prisma de consumo nas mais variadas relações humanas.

No primeiro capítulo de O Capital, Marx descreveu o capitalismo como uma circulação de mercadorias, sendo as pessoas apenas os meios de agir dos mercados para produção de bens materiais que, ao serem desejados, passam a assumir qualidades e status que transcendem a materialidade daquele bem, ou seja, um carro BMW não é apenas um veículo confortável, mas sim objeto de status dentro de um círculo social de determinada sociedade.

No século 20 o mundo conheceu Guy Debord, filósofo francês que com ares proféticos apontou a sociedade atual como um acúmulo de espetáculos. Debord classificou como ‘espetáculo’ o momento que alguma mercadoria chega como ocupação da vida social, preenchendo lacunas e ditando comportamentos, transformando bens materiais em obrigações fetichistas.

Todavia alguns aspectos da sociedade baseada na performance são mais gritantes e terrivelmente tem afetados os mais jovens, manipulando audiência, selecionando conteúdo e implicando o que você deve comprar ou fazer nos próximos 10 anos.

Sempre me contrariei diante de comédias românticas e nunca engoli o fato que os amores da vida acabam de forma ‘felizes para sempre’, ou que para cada pessoa apaixonada no mundo exista uma alma gêmea esperando para ser correspondida. As comédias românticas em sua maioria produzem o casal idealizado para o sucesso amoroso e sexual. Não é coincidência que Adam Sadler e Jennifer Aniston são os recordistas nesse tipo de título, afinal de contas eles são as imagens do par romântico ideal. É a sociedade do espetáculo te vendendo valores e esteriótipos perfeitos.

O ser romântico mudou de status. Academias anos após anos lotam de jovens em busca do corpo perfeito para arrumar alguém na balada, é preciso um comportamento determinado para o sucesso amoroso, é preciso ter um status x para agradar a platéria y. E é desta maneira que as relações entre pessoas ganham contornos de espetáculo, o mercado de consumo dita as regras e você compra o que agrada o outro. Você posta o que dá curtidas, usa o que todo munda olha, ouve o que todo mundo ouve, transa com quem todo mundo transa.

O consumo da imagem é mais importante que o ato, diálogos não são tão importantes quando temos feed das redes sociais para olhar eternamente, consumir imagem, consumir vida, consumir estilo. É nessa mecanicidade que as redes sociais funcionam. Quem nunca presenciou aquela cena de selfie onde as pessoas riem forçadamente para transparecer uma alegria de estar naquele lugar quando na verdade a maioria está indisponível para o momento consumindo a rede, consumindo feed, fugindo da realidade através da tela. Basta um bloqueio de algumas horas do Whatsapp e a comoção geral começa como se todos nós tivéssemos perdido a capacidade do diálogo e do encontro de carne e osso.

A sociedade do espetáculo nos fez consumir o sexo ideal e irreal. Não precisamos mais de terapias sexuais ou conversas quentes ao pé do ouvido para confidenciar desejos sexuais com os nosso pares, afinal de contas você encontra tudo isso numa conexão de internet mais próxima de você. O consumo tomou contornos ultrajantes. Nunca se falou tanto em sexo, nunca se consumiu tanto sexo, porém nunca se fez tão pouco sexo. Marquês de Sade perderia feio se pisasse por aqui. A devastadora inversão de valores sexuais te fez acreditar que não existe mais limite definido para as coisas, apenas um grau incessante de alegria, prazer, gozo e contemplação, transformando qualquer manifestação superficial em sinônimo de plenitude e realização, quando na verdade estão todos infelizes, inseguros e solitários em meio à massa.

O espetáculo confere integridade e segurança exterior, o sexo do espetáculo confere alienação na mais perversa relação de consumo que nem mesmo Marx previu; coisas viram valores, as pessoas viram coisas.

Tudo que era vivido agora é mera representação daquilo que queremos ser, pela mediação de imagens abdicamos da realidade e vivemos em um máquina movida pelas aparências e consumindo fatos irreais, notícias irreais, produzindo nossa própria vida e consumindo a vida alheia.

Bem vindo à sociedade do espetáculo.

Paulo Sales ©

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Paulo Sales
Revista Simbiose

Eu sei uma ou outra coisa sobre teologia, religião e comportamento.