Rinha de Tela

Natan Andrade
Revista Simbiose
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2 min readMar 10, 2018

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Bloquear a tela para jamais encará-la. Dez segundos depois, deslizo os dedos e você está ali, com um sorriso que atravessa o continente do seu rosto, paralelo torto, que me tira a graça por ser assim. Afinal, se encaro a tela esverdeada do aplicativo com a cara amassada e as mãos trêmulas, sua foto se gaba do contrário. A imagem então se expande, toma borda-a-borda do meu smartphone. Você está feliz no litoral paulista, sol e mar.

Sua última mensagem era fria como você nunca foi, me aprisionando neste microssegundo para sempre. “Não fala mais comigo, eu tô melhor assim.” você diz.

Podia ter sido verbal, presencial, quente. Imagina só: nós dois sentados na areia da praia de Itamambuca. Braços cruzados, você encara seus pés e diz que não dá mais. Afinal, todo o rancor e valentia das teclas vai embora, dando lugar ao último abraço, o último olhar. Enquanto o dourado do sol banha seus cabelos, eu me despeço, enxugando qualquer resquício de lágrima e vou embora. Nunca mais você.

Mas o cenário é diferente. Você me enxerga na foto em preto-e-branco, eu vejo você em Itamambuca. O celular nos impede o abraço, ditando o começo e o fim daquilo tudo. Afinal, as palavras são flechas atiradas para nunca mais voltar, mas as mensagens são açoites que insistimos em receber, olhar, revisar e decifrar. O ponto final foi de raiva ou de apreço à gramática? Nunca sei.

O meu posto é o de trabalho, em frente às planilhas de Excel. Já você deve estar no seu quarto de apartamento, no meio de tantos livros, estudando para um concurso que eu não ligo. Para lembrar deste quarto, reviro minha memória eletrônica de imagens. Achei. Nós dois, sete e meia da manhã. A sua cara de sono me pedindo para sair do celular. O click, denunciando o para sempre e o nunca mais. A foto é saudade em bits.

"Beleza, qualquer coisa eu tô aqui." repito o seu ponto final, como numa esgrima delicada. "Tá.", você devolve. Touché. Olho a nossa foto no seu quarto mais uma vez. Das belezas desse tempo: poder esquecer num toque de tela. Apagar.

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Natan Andrade
Revista Simbiose

Escrevo histórias de amor, de boteco e mais algumas coisas.