A cidade de Madri e o Municipalismo

Texto produzido em 2016 durante o evento https://www.medialab-prado.es/videos/inteligencia-colectiva-para-la-democracia-2016

“Pensar e desenhar uma aposta municipalista que trabalhe questões chave em torno de como construir uma verdadeira democracia. Passar do grito “não nos representam” ao “nos representamos” “. (Traficantes de Sueños)

Para Bernardo Gutiérrez é difícil escolher uma lembrança pessoal de Madri. Passeando pelas ruas da cidade, ele diz que suas principais postais-lembranças são coletivas: aulas públicas nos parques, espaços autogestionados, assembleias nas praças, “ocupas”, protestos, marchas, festas no espaço público. Madri tem hoje centenas de espaços autogestionados, ocupados, coletivos, do comum.

O projeto Los Madriles — Atlas de Iniciativas Vecinales, ainda em fase inicial, já mapeou 112 espaços da cidade que operam a partir da autogestão. Essa nova cartografia do comum de Madri inclui hortas urbanas, cooperativas culturais, “ocupas” (na Espanha, conhecidos como “Centros Sociales”), espaços voltados para a sustentabilidade, bancos de tempo (dentre os quais tem especial importância o Intercambiadero), espaços públicos articulados coletivamente, espaços de ensino e aprendizado (como o Instituto Do It YourSelf), cinemas comunitários (Cinema Usera), centrais térmicas auto gestionadas (Central Térmica de Orcasitas), mídia livre autônoma… E o mapa inicial de Los Madriles é só a ponta do iceberg.

Diego, do Todo por la Praxis, um dos coletivos envolvidos no mapa, confessa que a lista é bem maior: “O mapeamento deve incluir mais de 500 iniciativas. Tirando alguns projetos de bairro um pouco tradicionais, podemos falar de uns 300 projetos voltados para a autogestão”. Isso sem falar do crescente Mercado Social de Madri, que envolve centenas de cooperativas e empresas orientadas para o bem comum e para a sustentabilidade.

A energia da cidade bebe de muitos lugares. Mas há três espaços sem os quais Madri não seria a Cidade do Comum: Traficantes de Sueños, MediaLab Prado e Intermediae. A explosão do 15M, das praças ocupadas, não teria sido possível sem muitos dos encontros e articulações desse trio. Sem que tenham conexão direta com tudo o que está acontecendo na cidade, destacar a importância dos três é um ato de justiça poética.

Uma das principais expectativas dos movimentos de Madri é que a nova prefeitura encontre outras formas de relação entre a “autonomia cidadã” e o “poder público”. O desejo: uma fórmula para parcerias público-comuns que vá além da cessão. Os limites da autogestão estão presentes em muitas conversas. A falta de recursos nesse tipo de cessão de espaços preocupa. Também preocupa que a existência de recursos acabe gerando processos de cooptação política e acabe matando os movimentos.

O esforço a ser realizado deve ser no sentido de fortalecer o tecido social e os espaços de autoorganização. Segundo o manifesto por um municipalismo democrático: “A democracia perde a maior parte de sua substância se não se instituem âmbitos diretos de decisão nos quais as pessoas comuns possam fazer exercício efetivo de um mínimo de autogoverno”.

A tentativa de unir os diferentes fluxos político-sociais foi batizado de “confluência”. Confluência: algo muito diferente de uma coligação ou aliança político-partidária. Algo mais do que uma frente cidadã. Algo mais do que uma candidatura de unidade popular. Algo novo, inexistente até um ano atrás. manifesto da plataforma Guanyem Barcelona: “Não queremos nenhuma coligação nem uma mera sopa de letras. Queremos nos esquivar das velhas lógicas de partido e construir novos espaços que vão além da mera soma aritimética das partes que as integram”.

Os cinco princípios da confluência do Ganhemos funcionaram metaforicamente como as quatro liberdades do software livre9: um breve quadro ético para a construção de processos e práticas de partilha de códigos. Vale a pena ler com calma: 1) Princípio da confluência: não criar uma nova estrutura, mas sim promover a coordenação das existentes e trabalhando em conjunto. 2) Princípio da promoção: encorajar o desenvolvimento de ferramentas e oportunidades de cooperação no território em lugares onde eles não existem. 3) Princípio da sustentabilidade: pense mecanismos de participação para que eles sejam sustentáveis, não só para os pessoas ativistas, mas para o público em geral. 4) Princípio da inclusão: que as iniciativas lançadas sempre busquem a cidadania em geral, a sua participação, e não só a composição interna do movimento. 5) Princípio da co-organização: não compreender a cidadania como um espaço para a consulta ou validação, mas sim favorecer as ferramentas, que para aqueles que o desejem possam organizar-se, participar e tomar decisões vinculativas.

E como é que o Podemos fica neste novo quadro político social? Uma confluência de diferentes forças políticas e sociais nas eleições gerais de novembro será possível? O sucesso dos laboratórios de confluência — onde Podemos é um motor importante — faz muitos sonharem com uma confluência nacional e cívica para a eleição geral do próximo mês de novembro. “Sim, nós podemos, mas não com o Podemos apenas”, escreve Isaac Rosa.

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Gustavo Warzocha Fernandes Cruvinel
A Sociedade Conectada na Política Brasileira

Cientista da computação, Especialista em Redes Sociais Digitais e Mestre em Ciência Política