O que é o Mappa e a decisão do fim
Em 2010, quando começamos a falar de curadoria de conhecimento por aí, a pergunta que sempre me faziam era: como você vai escalar isso? Na minha cabeça um plano de longo prazo estava desenhado. A ideia era primeiro conhecer em profundidade o problema que estávamos nos propondo a resolver, praticar analogicamente este método que parecia ser uma solução, e a partir daí começar a desenhar recursos tecnológicos que pudessem aumentar o alcance dos curadores de conhecimento. E foi exatamente assim que fizemos. Para mim, não tinha o que dar errado.
O Mappa foi feito do jeito da Inesplorato de fazer as coisas. Cheio de carinho, com muita calma e paciência, de forma profunda e com total foco em contribuir para a evolução humana. Quando começamos a desenhar este filhote, nós tínhamos um ponto de partida para honrar. Já sabíamos o que era curadoria de conhecimento, seu poder e potencial. Em nossa bagagem de quatro anos estavam inúmeros casos de pessoas que mudaram de vida e um pedacinho do mundo a partir do encontro com o conteúdo certo. O exercício de curar conhecimento para nós é extremamente complexo e não poderia ser diferente. O problema que este método resolve é complexo e demanda sofisticação para ser encarado de frente. Para cada curador que passou por nossa casinha da Vila Mariana, curar conhecimento não é fazer lista de filmes “legais”, indicar livros “bons”, não é recomendar a leitura de um artigo que todo mundo está lendo, não é economizar tempo das pessoas, não é agradar ou entreter. O Mappa não poderia ser nada disso. E não foi.
Um guia inteligente de artigos, filmes e palestras que existe para que você evolua sua forma de interagir com o mundo. Uma plataforma que para parecer simples ao seu usuário, tem um emaranhado de detalhes em seu backend. Deixa eu te dar 3 exemplos:
1- Acervo minuciosamente curado
Cada conteúdo que o Mappa recomenda passou por um longo processo coletivo de seleção, análise e categorização. Como premissa, assumimos as diretrizes da Unesco para a educação humana. Conteúdos “mapaveis” são aqueles que ajudam as pessoas a “aprender a aprender”, “aprender a conviver”, “aprender a fazer” e na conjunção dos três, “aprender a ser”. Para cada uma dessas frentes, estabelecemos uma lista enorme de trilhas de aprendizado. Por meio de intensos debates, curadores da Inesplorato e também convidados de várias áreas, avaliaram as mensagens de cada conteúdo para identificar potenciais trilhas de aprendizado.
Indo além, estudamos a linguagem dos artigos, filmes e palestras, na busca de entender as dificuldades futuras que os usuários poderiam ter. Batalhamos muito para sair da nossa própria zona de conforto e buscar produções não americanas que pudessem representar culturas e perspectivas de vários cantos do mundo. Nos preocupamos com os pequenos produtores e em como fazer suas obras escondidas pela internet chegarem às pessoas certas, na hora certa. O acervo do Mappa é um tesouro, cheio de preciosidades delicadamente lapidadas.
2- Olhar humano para necessidades de conhecimento
Se na construção do acervo nossa preocupação era conhecer os conteúdos, no diagnóstico nos dedicamos a conhecer nossos usuários e descobrir oportunidades de desenvolvimento. A partir da experiência presencial da Inesplorato, em contato com centenas de pessoas que atendemos no olho no olho, aprendemos que não podemos definir perfis de pessoas e as encaixotar em personalidades fixas. No entanto, podemos sim identificar desafios humanos que fazem parte da vida contemporânea e que são comuns a muitas pessoas. Assim, criamos uma forma contínua de desvelar possíveis desafios vividos por nossos usuários, que pudessem dar sentido ao processo de explorar novos conteúdos.
3- Experiência guiada e em parceria com curadores
A magia de nosso algoritmo está no encontro de necessidades de conhecimento e as possíveis mensagens dos conteúdos do acervo. Quando o casamento perfeito acontece, e recomendamos um conteúdo, para cada usuário, uma mensagem especial é entregue. Para criar essa experiência, vários textos de apresentação foram escritos. Nossa intenção foi ajudar cada usuário a refletir sobre cada um de seus passos dentro do Mappa, a partir do ponto que lhe seria mais relevante. Além disso, para cada navegante de nosso mar de possibilidades o algoritmo criava uma rota única. A cada movimento, o próximo passo era pensado e definido com escolhas customizadas e toques de curador especialmente definidos.
Pois bem, apesar da escala de nosso trabalho, o Mappa não chegou no tamanho que precisávamos para que pudesse sustentar a estrutura necessária para sua existência. Nas diferentes fases de beta que tivemos, fomos aprendendo o porquê: nosso produto era tudo que as pessoas gostariam de ter se fossem as pessoas que elas imaginam que são. Em outras palavras, o Mappa é um pote lindo de salada, lembrado toda segunda-feira, por quem comeu Big Mac ao longo de todo fim de semana. As pessoas adoram salada, sabem da sua importância, querem comer mais salada, mas o hamburger é mais viciante — e com ele não conseguimos competir.
Eu trabalhei com suporte aos usuários desde o começo e lia diariamente mensagens carinhosas de quem chegava com muita vontade de usar o Mappa mas nunca mais voltava. Ou ainda as mensagens de quem voltava nos pedindo mil desculpas por ter sumido. TEMPO, TEMPO, TEMPO, TEMPO esse era sempre o culpado. A gente sentia do lado de cá que, por mais valor que o Mappa pudesse oferecer para a vida de nossos usuários, a maturidade e disciplina que exigimos, em tempos de muito cansaço, não conseguia ser entregue.
E assim o tempo foi passando e a grana acabando. Quando isso começou a acontecer, comecei a ouvir uma nova pergunta de forma constante: e investidores, Dé? Bom, a gente até esboçou conversas com alguns, mas o mercado é o mercado, e todo valor que nós vemos no Mappa o mercado não viu. As mudanças que teríamos que fazer para atender aos interesses de possíveis investidores não fazem parte de nossas crenças. Esse caminho corromperia nosso propósito.
E assim veio a decisão de parar por aqui. Parar de brigar com a inércia de nossos apaixonados usuários que não aparecem para jantar. Este processo não foi fácil. Na real, ainda não está sendo. Mas, como os próprios conteúdos do Mappa já nos ensinaram, estamos ressignificando nossos erros, recarregando energias e botando pra fora nossos fantasmas para recuperar fôlego e voltar a sonhar. Nos vemos em breve!
*Débora Emm é sócia fundadora da Inesplorato e do Mappa