Repara e vê: a revolução já começou
Por Gabrielle Estevans
Um ateliê itinerante criado por uma mulher, com o intuito de fortalecer o movimento de artesãs brasileiras e preservar a identidade local de cada feitura manual. No coração da iniciativa, a vontade de conservar a origem e de respeitar de forma afetuosa a história das mestras de ofício. O MÃOS (Movimento de Artesãs e Ofícios) é isso: pesquisa sociocultural, desenvolvimento local, comércio justo e produtos feitos a mão por elas. Parece um daqueles sonhos distantes, em que idealizamos um projeto utópico. Mas, entre nós, mulheres, propostas assim não somente são reais como são a forma que encontramos de fazer valer nossos direitos no mundo: mais como sujeitos, menos como objetos.
No Brasil, faz pouquíssimo tempo que começamos a aparar as arestas da assimetria de gênero nas relações de trabalho. Foi na década de 80 que ganhamos espaço no movimento sindical e em 1988 conquistamos a igualdade jurídica. Asseguramos direitos de punho erguido, no enfrentamento cotidiano de grupos feministas que não arredaram o pé. Mas, no dia a dia, o patriarcado ainda serve como base para muitas dessas construções desiguais elaboradas em processos históricos que formaram a sociedade.
Por isso, nossa resistência também precisa ser afetuosa. É necessário que apoiemos umas às outras, que catapultemos nossos movimentos pelo mundo. Dessa forma, empreendimentos que nos conectem e que reforcem nosso protagonismo são mais que bem-vindos para colaborar nessa luta. É assim que poderemos lançar um olhar para além da parte vazia do copo e nos fortalecermos individualmente e coletivamente.
Estamos vivendo um momento importante de transformação: as mulheres estão despertando e agindo rumo à mudança. Quais são os movimentos, iniciativas, projetos e quem são as pessoas envolvidas com a temática de gênero, especialmente no território do empreendedorismo, mercado de trabalho e representatividade feminina, que estão protagonizando essa transição?
É preciso canalizar vozes femininas
Seja acolhendo mulheres em negócios já estruturados, seja impulsionando projetos de outras de nós, a teia feminina é capaz de fazer florescer iniciativas potentes nesse mundo. Como a MIA — Mulheres Investidoras Anjo, um movimento de fomento a startups lideradas por mulheres, e o Mulheres que Inspiram, uma comunidade que inspira mulheres criativas a construir negócios com propósito e apoia artistas independentes e empreendedoras criativas na jornada de construir um trabalho com identidade.
E esse movimento de tecer redes para que nos ajudemos só faz sentido se estourarmos a bolha de privilégios. Temos de olhar para todas nós e impulsionar, principalmente, os projetos que estão à margem. Foi o que fez, por exemplo, o Consulado da Mulher, criado em 2002, e que incentiva mulheres de baixa renda e escolaridade a mergulharem no mundo do empreendedorismo, por meio de cursos técnicos e doações de itens para os meios de produção. O objetivo é de um valor inestimado: tirá-las da informalidade e fazer com que ganhem autonomia financeira.
Um outro movimento interessante de se observar é que a adesão do empreendedorismo feminino a causas sociais e ambientais também é fortíssima. A Rede Asta faz parte dessa corrente. Através de uma escola de negócios online, a iniciativa capacita artesãs para que virem empreendedoras e para que invistam na transformação de resíduos em produtos bons, bonitos e do bem.
O futuro é logo ali
Estamos reescrevendo a história e, por isso, não podemos tirar o olho de quem, em breve, será nosso futuro. Dessa forma, iniciativas como o Plano de Menina são tão urgentes. A jornalista e empreendedora Viviane Duarte deu vida à iniciativa em 2016, com a meta de conectar meninas a conteúdos transformadores compartilhados por mulheres e outras meninas que estão fazendo acontecer. A ideia é que elas saibam que podem protagonizar suas próprias histórias e, assim, transformar o mundo. Juntas.
Projetos como esses guardam viva a esperança de que muito em breve a educação básica e os valores transmitidos já incluirão a equidade de gênero. Resistimos, hoje, para que o amanhã seja próspero, mais leve, mais igual. E é nesse cenário promissor — e consciente de que há muito a ser batalhado — que nasce a TEAR. A rede de iniciativas femininas surge como uma nova parceira para nós e traz como missão o impulsionamento de mulheres e de seus projetos e também a tarefa de construir redes benéficas para todos os elos desse ecossistema.
No hoje, se você reparar e ver, a revolução já começou — e as mãos que a constroem são femininas. Você vem?
gabrielle estevans é jornalista especialista em gênero, cultura e desenvolvimento humano. Pesquisa, planeja e coordena projetos com propósito e impacto social.