Auto deboche

Bia Madruga
a terceira margem
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2 min readFeb 11, 2017

Dei-lhe umas porradas na cara, no ventre, nas costas, nas costelas feias magras tão magras que pareciam expostas. Bati com mais força e repetidas vezes nos lugares idênticos, que era para que amanhã ela não saísse, ela não se erguesse, ela mal existisse de verdade. Gritei sem que a garganta arranhasse e depois gritei com mais força, arranhando rasgando garganta e peito; sentia dor no peito enquanto gritava-lhe o quanto era estúpida, tão burra, inocente, faladora de verdades, faladora de tudo demais, de mais. Danei-lhe murros fortes na cabeça, acertei as têmporas preferindo pegar-lhe pela esquerda, usando um direto bem dado com a direita. Pensava nos hematomas e sorria e batia mais forte. Gritava como era estúpida, como perdia tempo, como acreditava demais que tudo daria certo, como ela já estava morta e por isso merecia apanhar assim tão morta, fazendo com que eu morresse perto dela também. Sem coragem de nada. Chutei-lhe a barriga flácida com a parte de baixo do meu pé direito, chutei-lhe com o pé direito, achei isso imageticamente bem encaixado na situação. Cuspi nessa cara que não dizia nada nem chorava nem sorria e nem sentia, também acho. Ela já tinha deixado de existir, ainda mais, muito mais.

Gritei até que o ódio desse lugar à calma e a uma vontade ridícula de chorar, sentindo-me também ridícula, triste, puta e cheirando a fracasso por ter batido tanto e surtido efeito nenhum.

Voltei a espancá-la começando pelas têmporas e gostando que o cabelo se despenteasse do rabo de cavalo sem graça amarrado tão baixo. Voltei a gritá-la enquanto começava a sentir ternura e pena, ao mesmo tempo, e dei-lhe uns tapas de leve porque já me cansavam os braços.

Pareceram horas, mas foram quatro minutos e meio. No final, o reflexo no espelho só me encarava e sorria com o canto dos lábios.

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