Bia Madruga
a terceira margem
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2 min readSep 29, 2015

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Bem quando eu sonhei que meu avô estava vivo. Sim. Vivo. Tinha passado dos noventa, minha avó tinha partido, minha tia tinha partido, elas sim, não estavam mais comigo, mas meu avô estava ali, vivo, os olhos azuis acesos feito clarões para iluminar meu dia. Ele falava em tom audível. Me olhava com ternura e de um jeito penetrante ao mesmo tempo. Era tudo assim, era tudo real e inequívoco demais.

Ele estava vivo. Mas falou como se tivesse estado sempre ali e eu não soubesse, eu não tivesse notado. Nem ele se fez notar. Eu que nos acasos tinha ido de dar com ele e me assustar (sem muito susto ruim, mas com um susto bom) que ele estava ali ainda para mim, como eu sempre desejei que estivesse.

Penso que não tenho maturidade para morte nenhuma. Penso nisso agora. Mas devo ter pensado nisso no sonho, sendo mais rápido. Não tenho maturidade para despedidas. Acho que viver noventa anos é muito pouco, que nosso limite de vida é muito pouco, que poderíamos e deveríamos ter mais. Eu queria o dobro. E ele ali de frente pra mim, não vivendo o dobro, mas vivendo uns anos a mais, e eu fazendo as contas e me percebendo que eu estava perdendo alguns anos, já, sem saber que ele vivia, e quis correr pra dentro do abraço dele.

Me mostrou a cama e o quarto. A cama pequena demais, o quarto antiquado. Aquilo ali estava errado, pensei, disse, isso aqui está errado, não dá certo o senhor ficar aqui. Vamos embora. Vamos comigo. Venha ficar comigo logo, é tudo que eu quero e preciso agora, estarmos juntos de novo.

Ele não pestanejou e parecia sentir-se tranquilo. Todas as vezes em que sonhei com meu avô, senti paz e vi que ele também sentia. E todas as vezes os olhos eram claros e abertos, o sorriso também, a voz alta e audível para um sonho. Vamos embora, vamos comigo, vou levar o senhor para onde eu estiver.

Quando acordei com uma convicção de que eu estava prestes a ter um filho para chamar de José.

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