Ciclo se esmera

Bia Madruga
a terceira margem
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2 min readFeb 20, 2017

Sendo infinito, dura por tantos anos, dura até um sempre, começa, perdura, até que finda e vai, e volta sem aviso nenhum, volta sem aviso nem disparador, volta sem estímulo, simplesmente se repete e recomeça e perdura sem saber até quando,

Vai repetir, vai vir outra vez, vai se esmerando e adotando e adorando caminhos próprios que às vezes ficam ridículos e peculiares demais.

Tem um disparo que às vezes nem se percebe, dessa vez teve, mas outras tantas não houve disparo nem campainha nenhuma,

dessa vez houve disparo depois semana de apetite nenhum, cabelo ralo e sono pouco, cabelo opaco, pele estourando pra fora, gengiva estourando por dentro e sangue. Sangrava pela gengiva sem que parasse de escorrer, feito o ciclo que não para, não estaciona, finge que descansa pra depois vir de novo, o sangue vinha mais, a gengiva estourada agora mais doente, cada dia menos sadia e eu também.

Sono pouco e cabelos em queda, um dia inteiro pela frente que nem se enfrentava, só se deixava estar, gengiva doendo mais mas pelo menos a fome voltava aos poucos, o chá deu sono de verdade e pôde dormir uma noite acordando só uma vez e sentindo peso só na manhã do dia seguinte.

Na manhã do dia seguinte morreu de novo. O auge do ciclo é justamente a queda; o ponto mais alto do ciclo previsível é a baixeza de espírito e vontades, a dormência das vontades e o silêncio preferido para o hoje, amanhã, e a semana inteira,

Até que acabe a morte de novo.

O ciclo se esmera e vem cada vez mais estranho, antipático, agora com gengivas estourando e ausência de desespero. O ponto alto é o mais previsível e esperado e baixo também, mas depois de tantos iguais esse me parece um lugar e tempo onde sou mais eu do que o antes, do que o depois. Parece que a repetição do ruim e do difícil virou hábito, acostumou, e dói até menos porque não tem picos, não tem sustos, é calmaria, lentidão, dormência e desespero nenhum.

Já se vive o ciclo de tanto que quando ele vem até se sente menos só.

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